Wole Soyinka: “Precisamos ajudar o Boko Haram a se unir à congregação de fantasmas”

O escritor nigeriano, primeiro africano a ganhar um Prêmio Nobel de Literatura, defende um combate implacável contra o grupo terrorista

Por Ruan de Sousa Gabriel e Teresa Perosa Do Época

O escritor Wole Soyinka nasceu em Abeokuta, capital do Estado de Ogum, no sudoeste da Nigéria, berço da cultura iorubá. Foi o primeiro africano e o primeiro negro a ser premiado com o Nobel de Literatura, em 1986, pela obra O leão e a joia.

Wole Soyinka dedicou seu prêmio a Nelson Mandela, à época preso pelo regime do apartheid na África do Sul. Aos 81 anos, é considerado uma das maiores vozes das artes na África. Soyinka esteve no Brasil  para participar do Festival Afreaka, que acontece em São Paulo até o dia 25 e aborda a interseção entre cultura africana e brasileira.

Em entrevista a ÉPOCA, Wole Soyinka o escritor, famoso por suas peças de teatro, falou sobre a nova geração de escritores nigerianos e sobre a expressão da cultura iorubá na Nigéria e no Brasil.

ÉPOCA – Nos últimos anos, jovens escritores nigerianos, como Chigozie Obioma e Chimamanda Ngozi Adichie, conquistaram o público e a crítica. Como o senhor vê a emergência dessa nova geração de autores nigerianos?
Wole Soyinka – Eles trazem um contraste estilístico. São mais sofisticados, estão se afastando de narrativas simplistas e apostando em experimentalismos, seja no teatro, na poesia ou nos romances. Eles são cheios de ideias! Há muita literatura que aterrissa em minha mesa, muita coisa que os editores estão ocupados demais para publicar. E há muita coisa boa. Estou muito otimista quanto à literatura nigeriana.

ÉPOCA – A geração de escritores africanos da qual o senhor faz parte se preocupava muito com temas como o colonialismo e a emancipação dos povos africanos. A geração mais recente se aventura por um leque mais variado de temas. Chimamanda, por exemplo, escreve sobre feminismo. Qual sua opinião sobre esses novos temas que têm guiado a literatura africana?

Soyinka – Houve um período em que os escritores africanos estavam muito preocupados com o colonialismo e tentaram interpretar a sociedade por meio de conceitos ideológicos. Ainda que não chegassem a pregar a revolução, eles eram muito críticos da sociedade. Muitos deles eram marxistas e acreditavam que o único propósito da literatura era político. Mas, aos poucos, perceberam que a vida e a literatura são bem mais complexas que um texto marxista e que eles não têm de repetir um padrão. Passaram a se interessar mais por experiências que não têm necessariamente a ver com a estratificação social. E, assim, a literatura se tornou mais rica, pois eles pararam de escrever propaganda. Houve um tempo em que todo jovem autor era considerado reacionário se não escrevesse propaganda.

ÉPOCA – Ao se libertar dessas amarras políticas, a literatura ganhou em qualidade?
Soyinka – Sim. Agora eles permitem que os personagens literários falem com suas próprias vozes. Deixaram de usar os personagens para vocalizar conceitos ideológicos. Essa é maior diferença que eu observo na nova literatura africana.

ÉPOCA – E deixar que os personagens falem com suas próprias vozes também pode ser um ato político?
Soyinka – Com certeza. Eles perceberam que, na literatura, a política pode ser expressa quando, simplesmente, deixamos os seres humanos ser eles mesmos. Desse modo, a política se torna clara.

ÉPOCA – O senhor fez pesquisas sobre a persistência da cultura iorubá no Brasil.
Soyinka – Na cultura iorubá, a política se apresenta materialmente. A vida humana contemporânea se expressa por meio de arquétipos mitológicos. Vemos isso na obra de um dramaturgo como Abdias do Nascimento [1914-2011, fundador do Teatro Experimental do Negro], cujas peças nós encenamos na Nigéria. Ele explora como a cultura iorubá se expressa até mesmo na vida política do Brasil.

ÉPOCA – O senhor já disse que o grupo terrorista Boko Haram seria a antítese da cultura iorubá. O grupo tem afligido a Nigéria há mais de quatro anos, embora tenha perdido boa parte do território que antes detinha. O presidente Mohamadu Buhari chegou a afirmar, no ano passado, que o grupo tinha sido derrotado. Mas o Boko Haram continua a perpetrar atos hediondos no nordeste do país. Como a Nigéria pode combatê-lo de maneira mais eficaz?
Soyinka – Em primeiro lugar, não é uma coisa agradável de dizer, mas a verdade é que, quando as pessoas dizem que o Boko Haram foi derrotado, trata-se de uma meia verdade. Buhari depois mudou sua linguagem e disse que tecnicamente o grupo tinha regredido, o que é mais preciso. Mas, se você for considerar a ideologia do Boko Haram, do Al Shabab, do Ansar Dine [grupo islamista radical do Mali], que têm uma mentalidade filisteia, que não acreditam na pluralidade de cultura, na pluralidade de visões de mundo, na pluralidade de relacionar-se com a natureza, que acreditam que tudo deve ser visto de um único ponto de vista, como lidar com isso? E especialmente com pessoas que dão mais valor para a vida depois da morte do que o presente. Você precisa chegar aos possíveis recrutas jovens e reeducá-los, forçadamente se preciso.

Medidas drásticas precisam ser tomadas para garantir que, de uma geração para a outra, o Boko Haram pare de se reproduzir. Senão, é uma perda de tempo. Você pode matar quanto militantes quiser, mas, conforme você mata uns, outros aparecem para substituí-los. Então, é preciso uma estratégia em duas frentes. Em primeiro lugar, é preciso destruir o Boko Haram, aniquilá-lo, acabar com aqueles que declararam guerra contra a humanidade. Há que perguntar: vocês acreditam na humanidade ou em fantasmas? O Boko Haram acredita em fantasmas. Nós precisamos então ajudá-los a se juntar à congregação de fantasmas. Enquanto nós, que acreditamos nos seres humanos, precisamos nos defender. Ao mesmo tempo, temos de atuar em campo para reduzir o recrutamento potencial, nos assegurar de que temos uma sociedade justa, que as pessoas não passem fome, senão você produz condições materiais de recrutamento.

ÉPOCA – Existem relatos de ataques cada vez mais constantes, e violentos, por parte de grupos de pastores de gado da etnia fulâni, a mesma do presidente Buhari, em toda a Nigéria. Há medidas sendo tomadas para combatê-los?
Soyinka – É interessante poder responder a questões como essa partindo de experiência pessoal. Por muito tempo soubemos da ameaça desses grupos. Pessoas foram mortas. Esses grupos emboscaram até fazendeiros que se reuniam para decidir como lidariam com os ataques, vendo seus cultivos ser destruídos indiscriminadamente. Como lidariam com a agressividade desses grupos contra agricultores que simplesmente diziam “não passe com seu gado por meu cultivo”, e por isso eram mortos. E Wole Soyinka se juntou à comunidade de vítimas. Acredite se quiser. Há cerca de três semanas um grupo de fulânis passou com seu gado por minha propriedade, criou uma estrada praticamente em meio à minha fazenda. Eu estava fora, e meus caseiros me contaram. Perguntei-me se chegara minha vez de confrontar essas pessoas. Aconteceu ainda uma segunda vez, cerca de uma semana atrás, e eu novamente não estava em casa. É um problema que atinge toda a sociedade. E o que assusta é a agressividade desses grupos. Ações estão sendo tomadas, mas de forma muito lenta. Só agora as pessoas se deram conta do tamanho do problema.

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