Zélia Amador traz o olhar ativista sobre as discriminações enfrentadas pela mulher negra

Filha de empregada doméstica, a professora alcançou o doutorado e é uma das principais referências na defesa dos direitos dos negros no Norte. Segundo ela, “a população negra acumula desigualdades em todas as esferas: saúde, educação e perspectiva de vida”.

Por Thais Rezende e Taymã Carneiro Do G1

Zélia Amador é professora de artes da UFPA, doutora em Antropologia e co-fundadora do Centro de Estudos e Defesa do Negro no Pará (Cedenpa).) (Foto: Taymã Carneiro / G1 PA)

Para a mulher é tudo mais difícil. A mulher negra, então, tem ainda um fardo maior de discriminações. Ela é atravessada pela questão da raça, pelo fato de ser negra, do gênero, por ser mulher, e ainda por estar condenada à pobreza”, afirma a ativista e professora de artes da Universidade Federal do Pará (UFPA), Zélia Amador de Deus, que participou da criação do sistema de cotas de negros nas universidades e é uma das principais referências do movimento negro na região Norte.

Zélia nasceu em uma fazenda na ilha do Marajó e, desde o primeiro ano de idade, foi criada em Belém pelos avós. “Minha mãe engravidou aos 15 e era mãe solteira, foi empregada doméstica a vida toda, o que é mais uma história que se repete entre as mulheres negras brasileiras. Mas eu tive sorte porque meus avós me incentivaram a estudar. Na verdade eu me safei pela educação. Lembro muito bem da minha avó me dizendo ‘tu és preta, mas não baixa tua cabeça (sic)”, conta.

Égua, mana! Série mulheres, Pará, Belém (Foto: Felipe Kinoshita/TV Liberal) 

Égua, mana é uma expressão típica dos paraenses – que nesse caso, remete a admiração – e dá nome a uma série de três reportagens especiais produzidas pelo G1 em alusão ao Dia Internacional da Mulher. As reportagens mostram histórias de atitude, superação e coragem, seja através do voluntariado, no mercado de trabalho ou na luta pelos direitos e que se tornaram exemplos da força da mulher.

nteligente e esforçada, Zélia foi em busca de seus ideais através dos estudos, que aconteceram em escolas públicas da capital. Ela tinha facilidade com matemática e desde muito jovem ensinava os colegas em troca de dinheiro para pagar o ônibus. Mas, ainda menina, conheceu de perto a discriminação.

“Aos nove, dez anos foi quando senti o que é ser preta. Eu gosto muito de dançar, então me ofereci para uma apresentação que ia ter na escola. Mas entre as meninas eu não havia sido escolhida e questionei isso com a professora. Ela me disse que iam ser só as ‘meninas mais ajeitadinhas’. E eu não era desajeitada, entende?”, lembra a socióloga.

Para Zélia Amador, o racismo no Brasil foi levado às últimas consequências, pois foi o país que mais importou negros no continente americano e o último a abolir a escravatura por lei. Isso, segundo ela, deixou marcas até os dias atuais. “A população negra acumula desde então desigualdades em todas as esferas: saúde, educação, perspectiva de vida, absolutamente todas. O que ocorre é que as elites não se conformam com o combate à desigualdade. A segurança das elites é a desigualdade”.

No caso das mulheres, a pesquisadora afirmou que “as negras sempre foram força de trabalho. Elas não lutaram para poder trabalhar, elas não querem é mais trabalhar de graça, elas querem ser pagas”, afirma. A professora defende que “mesmo que a mulher negra supere a questão da classe social, ela continua sendo mulher e continua sendo negra. Ela permanece sendo discriminada seja pela sua etnia, raça, classe, credos, nacionalidade”, explica.

Militante

O ingresso na universidade pública foi um marco. Embora já estivesse envolvida com movimentos sociais durante o ensino médio, foi na universidade que a política fez ainda mais parte da trajetória de Zélia Amador, que é doutora em Antropologia. “Em 1968, por exemplo, eu estive em manifestações políticas, passeatas, ocupações, era uma época que, nos Estados Unidos, os negros estavam lutando pelos direitos civis, crescia o movimento Black Power”.

Quando começa a dar aulas na UFPA, ainda no período final da ditadura militar, os movimentos sociais que estavam “sufocados” começaram a ganhar força. Em 1978 surge o Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial (MNUCDR). E no ano seguinte, 1980, Zélia é co-fundadora do Centro de Estudo e Defesa do Negro no Pará (Cedenpa). “A partir desse contexto do início dos anos 80 que o movimento começa a não somente denunciar o racismo, mas pensar políticas públicas de ação afirmativa, a fim de tentar diminuir as desigualdades”, explica.

African Diaspora Technical Committee of Experts Meeting (TCEM) – Reunião do Comitê Técnico de Peritos da Diáspora Africana, livre tradução do inglês – em fevereiro de 2011 em Pretoria, capital da África do Sul. (Foto: Zélia Amador – Arquivo Pessoal)

Em 2001, a professora integrou a comissão brasileira na 3ª Conferência contra o racismo da Organização das Nações Unidas (ONU), em Durban, na África do Sul. “Éramos um grupo forte, articulado, que retorna ao Brasil para cobrar diversas políticas, entre elas o sistema de cotas nas universidade públicas”, relembra.

A educação, defende a pesquisadora, é um dos pontos principais para combater a desigualdade. “A sociedade ainda mata mulheres, comporta a misoginia, perpetua a cultura do estupro. Já o negro quando morre é visto como uma ameaça a menos. Falta empatia. Se colocar no lugar do outro. Conhecer verdadeiramente a história do país. Entender nossa identidade. E isso vem através da educação, com o que trabalho pela vida inteira”, disse.

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