Aos doze anos, idade das duas alunas, a última coisa que eu queria na vida era ser negra. Não tenho o menor problema em dizer isso. O percurso que percorri para afirmar a minha negritude, com o mesmo ensejo que a Esther, foi marcado por muito sofrimento. E antes que alguém me importune, dizendo que “nós negros temos preconceitos de nós mesmos”, explico: histórica e cotidianamente, somos expostos a todo tipo de humilhações. O desprezo e a vergonha que sentimos dos nossos corpos enquanto negros são frutos da violência racista a que somos submetidos desde a tenra idade.
A escola, enquanto componente de uma sociedade racista como a brasileira, sobremaneira (re)produz e legitima as práticas discriminatórias, tornando a trajetória de alunos e alunas negras um tanto traumática. No espaço escolar, o preconceito racial se manifesta de diferentes modos: pelo silenciamento ou ocultação acerca das assimetrias existentes nas relações raciais; ao negar à população negra a condição de sujeitos históricos, vivos e participativos na formação do Brasil; e sendo conivente e omissa com atitudes que desqualificam e menosprezam os estudantes afrodescendentes. Dificilmente, uma criança negra durante seu percurso escolar, nunca foi chamada de “macaca”, “beiçuda”, “negra do cabelo duro”, e tantas outras formas de xingamento, o que contribui preponderantemente para que haja um sentimento de negação de sua identidade.
Sartre, no belíssimo ensaio Orfeu Negro, afirma que, “ministrando-o ao negro, o professor, ministra-lhe, ademais, centenas de hábitos de linguagem que consagram a prioridade do branco sobre o preto. O preto aprenderá a dizer “branco como a neve” para significar a inocência, a falar da negrura de um olhar, de uma alma de um crime”. Tamires e Esther, naquele momento, sem saber, representaram o movimento inverso. Um movimento de ressignificação e valorização das diferenças. Mais do que isso. Suas palavras soaram como um lenitivo. Trouxeram a esperança e a certeza de podemos contribuir para a desconstrução de preconceitos e estereótipos que discriminam e inferiorizam o grupo social negro.
O vinte de novembro, dia da Consciência Negra, se aproxima. Talvez, inconscientemente, tenha me lembrado dessa história para sentir-me encorajada a continuar lutando pela superação das desigualdades raciais, e para construção de um país onde “Tamires” (re)conheçam a beleza (em todos os sentidos) do povo negro. E mais, que outras “Esther”, sejam ensinadas a sentir orgulho de ser afro-brasileiras.
Fonte: Pragmatismo Politico