100 Cidades Africanas destruídas pelos Europeus, parte III

Os têxteis congoleses superam em matéria de panos. Vários escritores europeus dos séculos 16 e 17 descreveram as artes delicadas dos povos vivendo no Congo leste e regiões adjacentes, que teciam adamascados, sedas, cetins, tafetás, tecidos delicados e veludos. O Professor DeGraft-Johnson fez a seguinte observação: “Seus brocados, altos e baixos, eram bem mais valiosos que os italianos.”

Por  Mawuna Koutoninm no Racismo Ambiental 

Sobre a metalurgia congolesa da idade média, disse um acadêmico moderno:

“Não há dúvida … a existência de uma arte metalúrgica especializada no antigo Congo… Os Bakongo tinham consciência da toxidade dos vapores de chumbo. Eles tinham métodos preventivos e curativos, tanto farmacológicos (doses massivas de papaia, óleo de palma) quanto mecânicos (exercer pressão para libertar o tubo digestivo), de combate ao envenenamento pelo chumbo.”

Na Nigéria, o palácio real na cidade de Kano data do século 15. Fundado por Muhammad Rumfa (governou de 1463 a 1499) evoluiu gradualmente ao longo das gerações se tornando num complexo imponente. Um relatório colonial de 1902 sobre a cidade, descreveu-a como “uma rede de edifícios cobrindo uma área de 33 acres rodeada de uma muralha com entre 6 e 9 metros de altura do lado exterior, e cerca de 4,5 do lado interior… uma boa cidadela”.

Um viajante do século 16 visitou a civilização da África central de Kanem-Borno e comentou que a cavalaria do imperador tinha “estribos, esporas, acessórios e fivelas” de ouro. Até os cães do governante possuíam “correntes do mais fino ouro”.

Uma das posições governamentais no Kanem-Borno medieval era Astrônomo Real.

Ngazargamu, a capital do Kanem-Borno, era uma das maiores cidades do mundo no século 17. Em 1658 d.C., de acordo com um acadêmico de arquitetura, a cidade tinha “cerca de um quarto de milhão de pessoas”. Possuía 660 ruas. Muitas eram largas e direitas, consequência da existência de planejamento urbano.

A cidade nigeriana de Surame floresceu no século 16. Mesmo em ruínas era uma visão impressionante, construída em grelha horizontal e vertical. Um acadêmico moderno descreveu assim a cidade:

“As muralhas de Surame têm 16 quilômetros de circunferência e incluem muitos bastiões ou subúrbios muralhados que começam em ângulos retos na muralha principal. O edifício maior em Kanta ainda é visível do centro, no meio das ruínas de muitos outros edifícios, um dos quais dizem ter tido dois pisos. O aspecto mais impressionante das muralhas e ruínas é a grande utilização de pedra e tsokuwa (cascalho laterítico) ou de barro vermelho, que obviamente foi trazido de um lugar distante. Existe um morro deste material, com mais de 2 metros de altura perto do portão norte. Os muros são feitos de alvenaria regular com cerca de 6 metros de altura e até mais em alguns pontos. A parte mais bem conservada é a que é conhecida como (a ponte) situada um pouco a norte do portão oriental… As muralhas principais da cidade aparentam ter fornecido uma entrada principal bem guardada com cerca de 9 metros de largura.”

Em 1851, a cidade nigeriana de Kano produzia uma média por ano de 10 milhões de pares de sandálias e 5 milhões de couros para exportação.

Em 1246 d.C., Dunama II do Kanem-Borno trocou embaixadas com Al-Mustansir, rei de Tunes. Mandou à corte norte africana um presente caro que incluía uma girafa. Uma velha crônica conta que o raro animal “causou grande sensação em Tunes”.

Existem pelo menos 600 ruínas de edifícios de pedra, nas regiões do Zimbábue, Moçambique e África do Sul. Essas ruínas pertenciam a Mazimbabwe em Shona, que na língua Bantu dos construtores quer dizer grande casa respeitada, equivalendo à corte.

O Grande Zimbábue era a maior dessas ruínas. Com 12 conjuntos de edifícios, abrangia mais de 7 quilômetros quadrados. A muralha exterior foi construída com 100,000 toneladas de tijolos de granito. No século 14, a cidade tinha 18,000 habitantes, podendo ser comparada em números à cidade de Londres na mesma época.

Existia uma cultura de ostentação na região. A última vez que visitamos o Museu Horniman em Londres vimos vários suportes de cabeça em exposição com a seguinte legenda: “Suportes para cabeça são usados na África desde o tempo dos faraós egípcios. Restos de alguns suportes para cabeça, que já tinham sido folheados de ouro, foram encontrados nas ruínas do Grande Zimbábue e em túmulos como o de Mapungubwe que data do século 12 d.C.”

Sobre a cultura da ostentação, um visitante do século 17 ao império de Monomotapa que dominava esta vasta região, disse o seguinte:

“O povo se veste de diversas formas: nas cortes dos reis, seus adjuntos vestem roupas de seda, adamascados, cetim, tecidos de ouro e sedas; existem 3 tamanhos de cetim cada um com quatro côvados [2.64m], cosidos entre si, por vezes com tiras de ouro, decorado dos dois lados como uma carpete, com uma franja de ouro e seda cosida com um laço de dois dedos e tecida com rosas douradas sobre seda.”

Aparentemente, o palácio real de Monomotapan no Monte Fura tinha candelabros de teto. Um livro de geografia do século 18 deu a data:

“O interior consiste de grande variedade de apartamentos suntuosos, áreas espaçosas e elevadas, todas decoradas com magníficas tapeçarias de algodão, a manufatura do país. O chão, teto [sic], traves e vigas são todos revestidos de ouro, curiosamente ornamentados, assim como os tronos, mesas, bancos e companhia. Candelabros e ramais feitos de marfim incrustado a ouro, pendurados no texto com correntes feitas do mesmo metal ou de prata.”

Monomotapa tinha um sistema de segurança social. Antonio Bocarro, um português contemporâneo, informa que o imperador mostrava grande caridade com os cegos e os aleijados, que eram chamados de pobres do rei, tendo terras e rendas para sua subsistência, e quando fosse necessário circularem pelos reinos, onde fossem recebiam comida e bebida financiada com dinheiro público onde permanecessem, e quando viajassem receberiam o que precisassem para a viagem, e um guia e alguém para carregar sua carteira até chegarem ao novo destino. Onde quer que fossem essas obrigações existiam.

Em 1571 forças portuguesas invadiram Munhumutapa, dando inicio à destruição daquele lugar. Em 1629, o Imperador Mavhura torna-se o capacho dos portugueses no governo de Munhumutapa.

Registros chineses do século 15 d.C. observam que Mogadishu tinha casas com “quatro e cinco andares”.

Gedi, perto da costa do Quênia, é uma das cidades fantasma da África oriental. Suas ruínas datam dos séculos 14 e 15, incluindo as muralhas, o palácio, casas particulares, a Grande Mesquita, sete mesquitas menores, e três mausoléus.

A mesquita em ruínas na cidade queniana de Gedi tinha um purificador de água de calcário para reciclar água.

O palácio na cidade queniana de Gedi é prova da existência de água canalizada controlada por torneiras. Possui também banheiros e toaletes no interior.

Um visitante em 1331 d.C. considerava de grande qualidade a cidade de Kilwa na Tanzania. Escreveu que era “a cidade principal da costa e que a maioria dos habitantes eram Zanj, um povo de pele muito negra.” Mais tarde ele disse: “Kilwa é uma das cidades mais belas e bem construídas do mundo. O todo é muito elegante.”

A cultura de ostentação existia já nos primórdios da Tanzânia. Um cronista português do século 16 escreveu que: “Eles se vestem com finura em ricas vestes de seda e algodão, e as mulheres também; e ainda com muitas correntes de ouro e prata e pulseiras, que usam nas pernas e nos braços, e com muitos brincos nas orelhas”.

Em 1961, um arqueólogo britânico encontrou as ruínas de Husuni Kubwa, o palácio real na cidade de Kilwa na Tanzania. Tinha mais de cem quartos, incluindo uma recepção, galerias, pátios, terraços e uma piscina octogonal.

As estruturas Bamilike dos Camarões são de uma delicadeza e beleza arquitetônicas impressionante. As escrituras Bamum e Shomum dos Camarões são semelhantes à da Etiópia. Existem cerca de 7000 manuscritos Bamum antigos e o Palácio Bamum ainda está perfeitamente preservado[i].”

Como as fontes acima descrevem, o continente estava cheio de monumentos. Onde estão?

A triste verdade é que os invasores europeus destruíram a maior parte fosse com ações punitivas ou sob a lei ‘Terra Nullius’ de partilha da África.

Durante a partilha de África pelos europeus, a principal forma de provar que uma terra estava qualificada para colonização ou dominação, era declará-la ‘Terra Nullius”, uma expressão Latina derivada da lei romana que significa “terra de ninguém”, usada em direito internacional para descrever território que nunca foi submetido à soberania de nenhum estado, ou sobre o qual nunca se exprimiu ou transferiu implicitamente nenhuma soberania. Soberania sobre território que é terra nullius pode ser adquirida através de ocupação”[ii].

Muitas ilhas foram adquiridas dessa forma onde era fácil matar populações reduzidas e provar com facilidade que a terra estava vazia antes da chegada dos poderes coloniais.

Mas cedo, os poderes coloniais começaram a ter dificuldades em encontrar “terras de ninguém”. África não era Terra Nullius. Consequentemente, a lei terra nullius foi alterada para tornar-se terra habitada por selvagens e não civilizada.

Cedo também, o poder colonial percebeu ser difícil provar que a África era uma terra de selvagens e gente não civilizada. Ao contrário, encontraram rainhados e reinados com palácios grandiosos e normas sociais e políticas bem desenvolvidas.

Assim, o poder colonial teve de destruir qualquer sinal de civilização.

A partir daí, o poder colonial gastou muita energia para destruir e queimar monumentos e edifícios históricos africanos, chacinando a elite africana de engenheiros, cientistas, artesãos, escritores, filósofos, etc.

Existe um museu em Paris com 18.000 cabeças humanas de gente chacinada pelas tropas e missionários coloniais franceses. Chama-se “Museu de História Natural de Paris”.

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Entre as cabeças estão as de chefes africanos, suas famílias, engenheiros, escritores, militares, lideres espirituais, e também cidadãos comuns, homens, mulheres e crianças, que os franceses achassem fora do comum, ou suficientemente exóticos e interessantes para matar e encher seu museu de história natural, onde habitualmente se expunham crânios de animais representativos da biodiversidade e da evolução.

A França não era a única entre os competidores europeus querendo decepar o máximo de variedade de gente exótica. Os crânios e cabeças de muitos africanos ainda se encontram em museus e outros locais por toda a Europa.

Outra consequência da lei Terra Nullius definida como uma terra habitada por selvagens, levou à captura de africanos para exibir em zoos e eventos públicos por toda a Europa, em condições primitivas, para demonstrar a inferioridade e barbarismo dos povos africanos.

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Criança africana exibida numa espécie de zoológico, na Bélgica

 

Leia Também:

 

 

Notas:

[i] When we Ruled, by Robin Walker

[ii]  http://en.wikipedia.org/wiki/Terra_nullius

 

 

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