As reviravoltas de 2016 prepararam o terreno para o florescimento da resistência das mulheres em um Brasil ainda mais conservador
Fonte: Carta Capital
por, Debora Diniz
Os últimos dias do ano são de retrospectiva.
Os analistas gostam de lembrar o vivido para antecipar o que nos espera. Há os analistas econômicos, os políticos, até os religiosos. Os homens de batina, por exemplo, mostram que 2017 será um ano difícil para o Papa Francisco: há muita gente de olho nas mudanças liberais do Papa sobre aborto ou casamento.
Minha retrospectiva será feminista e começo com uma sentença: 2016 foi um ano preparatório para a reviravolta feminista em 2017.
Primeiro, porque se golpeou a primeira mulher presidenta da história do país.
Foi golpe e ela foi golpeada. É isso mesmo – a sacaram do poder por uma artimanha, e os autores do golpe mais parecem personagens de comédia malfeita. O fatídico 17 de abril será inesquecível: até os que bateram panelas se envergonharão dos que decidiram pelo golpe em seu nome.
Segundo, porque com o golpe da presidenta junto se foram a Secretaria das Mulheres, as mulheres no poder, os resquícios de representação por gênero ou raça nas instâncias do poder político.
No lugar, chegaram os homens pálidos engravatados, todos muito conhecidos da política e sabidos sobre como controlar a vida das mulheres. O novo presidente dos Estados Unidos é só o mais falante deles, mas se anuncia líder de um novo tempo.
Terceiro, porque os atuais homens de poder são conservadores, e não só para a garantia de direitos sociais fundamentais, como saúde ou educação, mas porque têm uma fixação no útero das mulheres.
Temas como aborto escandalizam mais do que a miséria das famílias nordestinas afetadas pela epidemia do vírus zika. É como se não houvesse mais zika no Brasil, só mulheres malditas e egoístas falando de aborto.
Sem a presidenta, sem mulheres no poder e com o sarcasmo de se falar mais de úteros que de mulheres, o feminismo se fortalece.
O passe agora é livre para a resistência – é no ensino público que estarão as trincheiras e nós mulheres somos a multidão de professoras, seja nas escolas públicas ou nas universidades.
Esqueçam isso de “escola sem partido”, o que vale é escola com justiça e igualdade. Temas como pobreza, racismo e sexismo estarão por todos os cantos das escolas e das universidades.
Quanto maior a força da opressão conservadora, mais inteligente e diversificada será nossa atuação. Não é à toa que o feminismo é o movimento que mais cresce entre meninas muito jovens – elas se anunciam “eu sou feminista” antes mesmo de se anunciarem como gente que vota.
Há bancada da bala, do boi e da bíblia no Congresso Nacional, é verdade, mas dez deles não ganham de uma das vereadoras feministas recém-eleitas pelo país. Em um dos partidos de resistência elas foram uma dezena.
2016 não é prenúncio de desgraça para o feminismo. Minha convicção é outra. Os conservadores nos deram mais força e coragem para abrir a porta sem bater. Como naquelas previsões astrológicas, arrisco dizer: 2017 será o ano feminista no Brasil.
Nos esperem, pois aborto será descriminalizado, gênero será matéria obrigatória nos livros de alfabetização nas escolas públicas, e casais gays receberão a benção divina para viverem como família.