30 anos de “Faça a Coisa Certa”: o que aprendi ao estar frente a frente com Spike Lee

A América fast food trás uma geração de artistas, ativistas e políticos negros mais preocupada com o “racismo que entra pela boca” e cada vez menos interessada pela indústria da comida rápida. A juventude negra deseja viver bem sem deixar de denunciar as injustiças através da arte.

Por Kenia Maria, Da Vogue

Spike Lee - homem negro de pé e vestindo camiseta branca- em “Faça a coisa certa”.
Spike Lee em “Faça a coisa certa”, lançado em 30 de junho de 1989: divisor de águas (Foto: Agência O Globo)

Quantas Américas existem nos Estados Unidos? Os filmes do Spike Lee me fizeram preferir o Brooklyn. Manhattan e as luzes da Time Square pouco me atraem, estou a procura da África que veio pra cá. A presença de Notourius Big, nos muros e comércios, as inúmeras homenagens aos poetas, artistas e ativistas estão vivas em cada cantinho daquele lugar.

Localizado no coração do Brooklyn, Fort Greene é um dos parques mais lindos de lá. Lugar preferido da personagem Nola Darling, da série Ela Quer Tudo, uma obra clássica de Spike Lee, da décadas de 1980 e 1990, que teve a sua nova versão recentemente exibida pela Netflix.

Nola é uma jovem pintora negra, bissexual, que visita periodicamente uma terapeuta para se curar de violências sofridas por ser uma mulher livre, em uma sociedade racista, homofóbica e machista. Nola também é uma ativista que fala através da sua arte sobre o corpo da mulher negra e seu comportamento na sociedade atual: “nunca se desculpando como anda com a sua forma de mulher negra pelo mundo” – Nola Darling.

DeWanda Wise, interprete de Nola Darling na série "Ela quer tudo", em pé em um pier.
“Ela Quer Tudo”: a série de Spike Lee (Foto: David Lee / Netflix)

Ela Quer Tudo deixa no ar a pergunta: Onde estão os negros de Fort Greene?. Faça a Coisa Certa faz a mesma pergunta há trinta anos, apontando o perigo que existe na gentrification. Por diversas vezes me senti em Madureira estando no Brooklyn. As tias que frequentam as igrejas aos domingos no Brooklyn se vestem e se comportam como as tias da Portela.

O que o bairro da liberdade Salvador/Bahia do vovô do Ile Aye, o Pelourinho de João Jorge do Olodum, o jongo da Serrinha da tia Maria e o Brooklyn de Spike Lee têm em comum?

O cheiro de sabonete da Costa (sabão preto ou sabão africano), o sol refletindo sobre a pele das mulheres e homens, hidratadas com manteiga de karité (produtos usados nos rituais das religiões de matriz africana), os homens e mulheres negra de cabelos trançados…tudo me lembrava a Bahia, Madureira, o Jongo da Serrinha, o meu terreiro, e a África que eu nem conheci, mas que sei que vive em mim.

Contudo, o que seria fazer a coisa certa quando quem te mata é também quem  diz ao mundo que ama a sua música, sua arte, sua cultura? A América em que as pessoas negras vivem é exatamente como no videoclipe de Gambino. “This is America” deixa um incômodo, assusta, mas fala sobre o que acontece com pessoas negras dentro deste sistema: de pop star a alvo a ser abatido. O negro está inserido no mercado, mas ainda é mercadoria.

Spike Lee- homem idoso negro, vestindo poena preta, blusa azul escuro e jaqueta preta- sntado olhando para frente
(Foto: CHRIS PIZZELLO/INVISION/AP/SHUTTERSTOCK)

Nos trinta anos de “Faça a Coisa Certa”, durante toda a tarde Spike Lee exibiu obras de artistas negros locais, falou sobre o orgulho de ser do Brooklyn, exaltou nomes dos deuses da black music…Tive a sensação de que aquele lugar veio da África junto com os afro-americanos que lá vivem.

Spike Lee esperou trinta anos para ser reconhecido pela academia americana de cinema, na verdade o Oscar demorou três longas décadas para reconhecer o genialidade do rei do Brooklyn “Infiltrados na klan” ganhou o Oscar, mas em seu discurso, o grande pedido de Spike Lee ao mundo  foi: “façam a coisa certa”.

 

 

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