A América fast food trás uma geração de artistas, ativistas e políticos negros mais preocupada com o “racismo que entra pela boca” e cada vez menos interessada pela indústria da comida rápida. A juventude negra deseja viver bem sem deixar de denunciar as injustiças através da arte.
Por Kenia Maria, Da Vogue
Quantas Américas existem nos Estados Unidos? Os filmes do Spike Lee me fizeram preferir o Brooklyn. Manhattan e as luzes da Time Square pouco me atraem, estou a procura da África que veio pra cá. A presença de Notourius Big, nos muros e comércios, as inúmeras homenagens aos poetas, artistas e ativistas estão vivas em cada cantinho daquele lugar.
Localizado no coração do Brooklyn, Fort Greene é um dos parques mais lindos de lá. Lugar preferido da personagem Nola Darling, da série Ela Quer Tudo, uma obra clássica de Spike Lee, da décadas de 1980 e 1990, que teve a sua nova versão recentemente exibida pela Netflix.
Nola é uma jovem pintora negra, bissexual, que visita periodicamente uma terapeuta para se curar de violências sofridas por ser uma mulher livre, em uma sociedade racista, homofóbica e machista. Nola também é uma ativista que fala através da sua arte sobre o corpo da mulher negra e seu comportamento na sociedade atual: “nunca se desculpando como anda com a sua forma de mulher negra pelo mundo” – Nola Darling.
Ela Quer Tudo deixa no ar a pergunta: Onde estão os negros de Fort Greene?. Faça a Coisa Certa faz a mesma pergunta há trinta anos, apontando o perigo que existe na gentrification. Por diversas vezes me senti em Madureira estando no Brooklyn. As tias que frequentam as igrejas aos domingos no Brooklyn se vestem e se comportam como as tias da Portela.
O que o bairro da liberdade Salvador/Bahia do vovô do Ile Aye, o Pelourinho de João Jorge do Olodum, o jongo da Serrinha da tia Maria e o Brooklyn de Spike Lee têm em comum?
O cheiro de sabonete da Costa (sabão preto ou sabão africano), o sol refletindo sobre a pele das mulheres e homens, hidratadas com manteiga de karité (produtos usados nos rituais das religiões de matriz africana), os homens e mulheres negra de cabelos trançados…tudo me lembrava a Bahia, Madureira, o Jongo da Serrinha, o meu terreiro, e a África que eu nem conheci, mas que sei que vive em mim.
Contudo, o que seria fazer a coisa certa quando quem te mata é também quem diz ao mundo que ama a sua música, sua arte, sua cultura? A América em que as pessoas negras vivem é exatamente como no videoclipe de Gambino. “This is America” deixa um incômodo, assusta, mas fala sobre o que acontece com pessoas negras dentro deste sistema: de pop star a alvo a ser abatido. O negro está inserido no mercado, mas ainda é mercadoria.
Nos trinta anos de “Faça a Coisa Certa”, durante toda a tarde Spike Lee exibiu obras de artistas negros locais, falou sobre o orgulho de ser do Brooklyn, exaltou nomes dos deuses da black music…Tive a sensação de que aquele lugar veio da África junto com os afro-americanos que lá vivem.
Spike Lee esperou trinta anos para ser reconhecido pela academia americana de cinema, na verdade o Oscar demorou três longas décadas para reconhecer o genialidade do rei do Brooklyn “Infiltrados na klan” ganhou o Oscar, mas em seu discurso, o grande pedido de Spike Lee ao mundo foi: “façam a coisa certa”.