Sejamos generosos com o tempo: com o seu e com o do outro

Em sua nova coluna, Isis Vergilio reflete sobre o processo que a levou a compreender que não é preciso atender a todas as demandas, palpitar sobre tudo e se respeitar

Por ISIS VERGILIO, da Marie Claire 

Isis Vergilio em série de fotos experimentais (Foto: Christian Braga)

Mês de julho, mês do meu aniversário, aquele momento em que o Sol adentra leão. Amo! Esses dias, tive encontros muito interessantes e importantes. Um deles com um fotógrafo que me provocou/convidou a me jogar numa experiência. Há tempo eu não participava de um processo criativo, experiência que demanda diálogo, pesquisas, conversas e, por fim, disponibilidade. Conversamos muito sobre tantas coisas que resolvi compartilhar com vocês um pouco desses atravessamentos.

Nesse contexto de sociedade, com tudo acontecendo tão rápido, às vezes tenho a sensação de que estamos perdendo a capacidade de sermos generosos com o tempo, com o nosso e o do outro. Mais que isso, ter humildade em reconhecer que não precisamos dar conta de tudo, saber sobre tudo e muito menos opinar sobre tudo, e tá tudo bem. Percebo, sobretudo nas redes sociais, pessoas opinando sobre absolutamente todos os assuntos. Às vezes, sobre coisas que não temos a menor ideia do que seja. Ter humildade não significa abaixar a cabeça e não questionar, pois todos podem ser questionados desde que isso seja feito com respeito e educação. E, sinceramente, que bom não saber de tudo, né?! Abrir nossos ouvidos para apenas ouvir e aprender já é bastante coisa. O exercício da escuta é apaixonante. Ouvir é ótimo: não é preciso ter respostas prontas e reflexões para tudo sempre.

Isis Vergilio em série de fotos experimentais (Foto: Christian Braga)

Lidamos também com as urgências do trabalho, da vida afetiva, recebendo mensagens de WhatsApp desesperadas – que, ao fim, não se mostram tão urgentes -, lidando com prazos sufocantes, que só conseguiríamos cumprir se fossemos máquinas. E, no meio disso, há pessoas tentando sobreviver e se adaptar a tudo, mesmo que seja humanamente impossível. Entendi que a urgência do outro não pode, nem deve ser a minha e a sua urgência. Não dar conta dela não significa incompetência e descuido, mas responsabilidade e limites com nós mesmos.

Nos últimos tempos, tenho vivido experiências maravilhosas e processos que ainda estão em andamento e que me chocam, pois eu nunca acreditei que viveria. Às vezes, parece um sonho. Gosto e acho importante dizer que houveram e com certeza ainda irão acontecer situações em que não faltará vontade de gritar, xingar. Nos vemos mergulhados em sentimentos profundos de ódio e, ao mesmo tempo, de imensa alegria. Já chorei inúmeras vezes de felicidade e de tristeza. Na correria diária, nem tudo, nem todas as relações são flores, mas é o meu comportamento diante delas, minha conduta e postura ética que irão definir os próximos episódios dessa grande novela chamada vida e na perenidade das relações que realmente importam.

Esse texto vem pra dizer (a mim mesma) que não sou a mesma de ontem e não serei a mesma amanhã, e isso é maravilhoso! Errando, acertando, tenho orgulho demais dessa pessoa (eu) que conhece bem o abismo e, em meio ao mar de sombras, entende a grandeza da escuridão, sabendo andar por ela, as coisas não vão parecer tão assustadoras assim, por mais difíceis que às vezes pareçam ser. Valorizo demais todas as minhas conquistas pois sabemos que o racismo/machismo nos paralisa ao ponto de não conseguirmos comemorar e celebrar.

Não sejamos caranguejo no balde. Não sejamos aqueles que puxam para baixo ou vibram negativamente com as conquistas do outro. Se um dia eu me perceber no balde, serei aquela que irá trabalhar para criar/pensar todas as estratégias, imagináveis e inimagináveis, para sair dele, construir estratégias coletivas para que todos saiam. Aqueles que trabalham para permanecer no balde e manter o outro lá, sucumbirão. Sejamos aquelas e aqueles que emanam boas energias sobre as conquistas do outro e, caso não queira emanar energia alguma, apenas não diga nada e siga a vida. Essa postura não obriga ninguém a amar ou ser amiga íntima de ninguém. Significa que eu não preciso ser aquele personagem violento que constrói narrativas odiosas para desqualificar ou minimizar o outro. Repito: ninguém precisa se amar, mas o respeito é o mínimo que se espera. Tenho muito orgulho dessas mulheres que conseguiram sair do balde do caranguejo e não recuaram  frente à imensidão do mangue. Sabemos que não é fácil: é doloroso, exige coragem e tempo. Elas nos mostraram e continuam mostrando que o balde não é nosso lugar!

Respira, solta e segue!


O processo fotográfico foi lindo e resultou nessa sequência mágica. Me olho, me amo e respeito todas as escolhas que fiz até chegar aqui. Este experimento foi pensado pelo querido Christian Braga, que nos últimos anos tem sido um grande companheiro de vida e amor.

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