Precisamos reconhecer nossa palmitagem

Muito se tem discutido sobre a solidão da mulher negra e o termo

Por Caio Cesar dos Santos  via Guest Post para o Portal Geledés

“palmiteiro”. Muitas mulheres tiveram, enfim, a coragem de expor seus

sentimentos após anos e anos de preterimento e desvalorização. Eu

particularmente acho isso ótimo, o que me incomoda mesmo é o mau

caratismo de nós, homens, ao tratar do assunto.

Somos palmiteiros. Todos nós. Alguns em desconstrução, outros não.

Acredito que reconhecer isso é o primeiro passo que podemos dar. No

mundo afetivo dos homens reina a ideia de que, quanto mais mulheres

você tem, melhor você é, mais respeitado entre os amigos, mais

popular. E nessa matemática básica, a mulher preta não tem valor. Num

país onde o padrão de beleza feminino é tão forçado e reforçado em

todos os veículos de mídia, se relacionar com mulheres negras não era

a primeira opção dos homens. Basta olhar os inúmeros relatos das

meninas negras, que foram a vida inteira escondidas em seus

relacionamentos, enquanto os homens faziam questão de desfilar com

suas mulheres brancas.

Não neguem isso, homens. Vocês sabem bem como as coisas funcionam.

E trazendo o recorte do homem negro, a qual me incluo, soma-se a isso

o racisto estrutural da nossa sociedade. Para o homem negro,

relacionar-se com uma branca, dá a ele o mesmo valor que um homem

branco tem na sociedade. Frantz Fanon fala sobre isso em seu livro

“Pele Negra. Máscaras Brancas”, no capítulo 3 intitulado “O homem de

cor e a mulher branca”. Segue o trecho:

“Da parte mais negra de minha alma, através da zona de meias-tintas,
me vem este desejo repentino de ser branco.
Não quero ser reconhecido como negro, e sim como branco.
Ora — e nisto há um reconhecimento que Hegel não descreveu —
quem pode proporcioná-lo, senão a branca? Amando-me ela me prova
que sou digno de um amor branco. Sou amado como um branco.
Sou um branco.

Seu amor abre-me o ilustre corredor que conduz à plenitude…
Esposo a cultura branca, a beleza branca, a brancura branca.
Nestes seios brancos que minhas mãos onipresentes acariciam, é da
civilização branca, da dignidade branca que me aproprio.”

Enxergo no preterimento da mulher negra e na “palmitagem” mais uma das

faces que o racismo nos traz. E como tal, se faz necessário que

debatamos isso com honestidade e entendimento. Nós homens, sobretudo

homens negros, precisamos fazer essa reflexão, essa autocrítica.

Vivemos num mundo racista e machista, com um padrão de beleza branco

estabelecido. Reduzir toda essa problemática a “gosto pessoal” não faz

sentido, é desenosto.

Por fim, quero deixar claro aqui que não quero falar pelas mulheres

negras. Não tenho esse direito e nem ao menos poderia fazer isso. Há

muita informação sendo feita sobre esse assunto, e quero apenas que

meu texto seja mais um, sem se tornar mais importante do que o relatos

das mulheres. Ao ler esse texto, peço não só a sua reflexão, mas que

leia também – com honestidade – os relatos e textos já feitos por

quem, de fato, sofre com isso, as mulheres.

+ sobre o tema

Delegado libera homem que queimou rosto da esposa: “legítima defesa”

Delegado libera homem que queimou rosto da esposa com...

Angela Davis faz 78: 3 lições revolucionárias que aprendemos com ela

Em 1970, a revolucionária Angela Davis figurava na lista...

Gritem-me Negra!

Projeto especial para a semana da Consciência Negra aproveita...

Stephanie Ribeiro assume comando do “Decore-se”

Stephanie Ribeiro assume comando do "Decore-se". A partir de outubro,...

para lembrar

Unicamp registra maior nº de mulheres aprovadas desde 2014 e calouros fora de SP sobem 65%

Universidade contabilizou alta de matriculados com renda familiar de...

“Mas mãe, eu sou menina!”: como é ser mãe de uma garota transgênero

Marlo Mack compartilha as dúvidas e alegrias de aceitar...

Projeto Bolsa Estupro ameaça direitos das mulheres no Brasil

Nesta quarta-feira 24, está na pauta da Comissão de...
spot_imgspot_img

Anielle Franco é eleita pela revista Time uma das cem pessoas mais influentes da nova geração

A revista americana Time incluiu a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, em sua lista das cem personalidades da nova geração que têm potencial para transformar o...

Joyce Ribeiro será nomeada embaixadora de Cidade Velha, em Cabo Verde

A apresentadora da TV Cultura Joyce Ribeiro será nomeada a embaixadora no Brasil para a cidade de Ribeira Grande, em Cabo Verde. Mais conhecida como Cidade Velha,...

Liniker é o momento: ‘Nunca estive tão segura, não preciso mais abaixar a cabeça. Onde não couber, vou sair’

É final de inverno em São Paulo, mas o calor de 33 graus célsius não nega a crise climática. A atmosfera carregada de poluição...
-+=