Mulheres Negras em Marcha, esses Passos vêm de longe

“A noite não adormece nos olhos das mulheres” Conceição Evaristo

Por Emanuelle Goes, do Analise Política em saúde 

No dia 18 de novembro, momento que será histórico e provavelmente demarcará novos caminhos dos movimentos negros no Brasil, as mulheres negras marcharam em Brasília por um País inclusivo sob a perspectiva antirracista e anti-sexista.

Há quanto tempo as mulheres negras marcham? Sigo com a resposta, “Nossos passos vêm de longe”, frase que se tornou lema e que ganhou visibilidade na escrita e na voz de Jurema Werneck. Este lema nos remete sempre a lembrar do nosso ponto de partida que é a ancestralidade de mulheres negras líderes e protagonistas das diversas lutas do povo negro.

A participação efetiva das mulheres negras pelo direito à vida e à dignidade humana da população negra acontece desde sempre, sendo luta e sobrevivência sinônimos, praticamente.  Ainda nos dias de hoje, muitas pautas são as mesmas de outrora sobre direitos a saúde, educação, espaço, terra e espaço de representação política.

Em verdade, reconhecemos avanços, até porque fomos nós que construímos e implementamos as estratégias de políticas de promoção da igualdade e de enfrentamento ao racismo, adentrando as universidades, nos tornando pesquisadoras, professoras e gestoras, especialistas no campo das ações afirmativas nas diversas áreas do conhecimento, e com um olhar interseccional levamos as nossas demandas para dentro das políticas de igualdade racial e de políticas para as mulheres.

De acordo com Carneiro (2006): “Este novo olhar feminista e antirracista – ao integrar em si, tanto a tradição de luta do movimento negro como a tradição de luta do movimento de mulheres – representa uma nova identidade política, decorrente da condição específica do ser mulher negra”.

Os processos de singularização das mulheres negras produziram uma diferenciação entre sujeitos e grupos sustentados na raça e no gênero – mulheres e homens, negras/os e brancas/os, que denunciam e recusam as condições de privilégio e de poder que estão atribuídos, unicamente, ao pólo racial branco (Lopes; Werneck, 2009).

Nas trajetórias das mulheres negras há um entrelaçamento de várias estruturas de opressão e desigualdades, sendo que raça e gênero são os principais fatores responsáveis que conduzem as diferenças de classe, por isso que as intervenções políticas e sociais para as mulheres negras devem ter como base as suas intersecções.

Neste sentido, a feminista afro-americana Kimberlé Crenshaw (2002) conceitua a interseccionalidade como uma associação de sistemas múltiplos de subordinação, sendo descrita de várias formas como discriminação composta, cargas múltiplas, como dupla ou tripla discriminação, que concentra problemas e busca capturar as consequências estruturais de dinâmicas da interação entre dois ou mais eixos da subordinação. Além disso, a interseccionalidade trata da forma como ações e políticas específicas geram opressões que fluem ao longo de tais eixos, constituindo aspectos dinâmicos ou ativos do desempoderamento.

E ela divide a interseccionalidade em duas abordagens: a estrutural, que apresenta o posicionamento das mulheres negras sobre as desigualdades de gênero e raça em relação à violência, o acesso ao mercado de trabalho, educação e a saúde, por exemplo, comparando com as mulheres brancas e homens negros e brancos; e a política, que se refere às pautas das mulheres negras que são marginalizadas nas políticas públicas, tanto raciais, quanto de mulheres, pois o racismo vivenciado pelos homens negros determina que, em grande parte, as configurações de estratégias só são antirracistas e que o sexismo vivenciado pelas mulheres brancas, as medidas de enfrentamento, na maioria das vezes, não são racializadas (Crenshaw, 2005).

No entanto, Angela Davis diz que “O desafio do século XXI não é reivindicar oportunidades iguais para participar da maquinaria da opressão, e sim identificar e desmantelar aquelas estruturas nas quais o racismo continua a ser firmado. Este é o único modo pelo qual a promessa de liberdade pode ser estendida às grandes massas” (Hailer, 2015).

Ou seja, para além de construirmos políticas afirmativas, de reparação, de equidade para as mulheres, população negra e mulheres negras, o Estado segue um modelo estruturado pelo racismo e sexismo institucional que atuam como barreiras na garantia de direitos dos diversos segmentos da sociedade brasileira.

É por conta disso que as mulheres negras marcham contra o modelo hegemônico de sociedade que exclui parcela significativa da população pela permanência de privilégios e, que para garantia desses privilégios, aniquilam a população negra nas oportunidades e na participação efetiva do exercício da cidadania plena e como sujeitas de direitos deste País.

Referências

CARNEIRO, Sueli. Raça e etnia no contexto de Beijing. In: WERNECK, Jurema. MENDONÇA, Maísa. WHITE, Evelyn C. (org). O livro da Saúde das Mulheres Negras: nossos passos vêm de longe. 2. Ed. Rio de Janeiro: Pallas / Criola, 2006

CRENSHAW, K. Bonis O. Cartographies des marges: intersectionnalité, politique de l’identité et violences contre les femmes de couleur. Cahiers du Genre 2005/2 (n°39), p. 51-82.

CRENSHAW, Kimberlé. Documento para o encontro de especialistas em aspectos da discriminação racial relativos ao gênero. Revista Estudos Feministas, vol.10, n.1, p.171-188. 2002. HAILER, Marcelo. Angela Davis: a mulher mais perigosa do mundo. Portal Fórum. Janeiro, 2015. Disponível em: http://www.revistaforum.com.br/blog/2015/01/angeladavis/.

LOPES, Fernanda; WERNECK, Jurema. Mulheres jovens negras e vulnerabilidade ao HIV/ Aids: O lugar do Racismo. In: TAQUETTE, Stella R. (org) Aids e juventude: gênero, classe e raça. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2009.

 

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