5 livros para compreender a miséria humana

Autores como Fiódor Dostoievski, José Saramago, Graciliano Ramos, Victor Hugo e Paulina Chiziane escreveram obras fundamentais para entendermos tragédias que se abateram (e ainda se abatem) sobre a humanidade

Por Marcelo Hailer, na Revista Fórum 

A classificação de um produto cultural enquanto “clássico” não se dá à toa. Uma série de fatores estão envolvidos em torno da obra que fazem dela atemporal e fundamental para se compreender eventos, trágicos ou não, que aconteceram durante a história. No momento presente vivemos uma série de acontecimentos que são alvos de inúmeras análises – jornalísticas, sociológicas e históricas – tais como os novos conflitos de guerra, seca no Brasil, grupos políticos da extrema esquerda e direita que disputam a narrativa político-social e, claro, a concentração de riqueza e a miséria inerentes ao sistema capitalista.

Por mais que os temas acima citados sejam contemporâneos, eles são recorrentes na história do mund, seja no Ocidente, na Ásia ou na África. E todos eles já foram fontes de inspiração para obras primas que nos trazem algum entendimento das atitudes dos considerados “humanos” e que, inevitavelmente, levam à tragédia. Para tanto, selecionamos cinco autores e uma obra respectiva que trata de questões presentes no cotidiano, seja ele político, jornalístico ou social.

1 – Os Demônios, de Fiódor Dostoiévski

Obra fundamental para quem deseja compreender e acompanhar os resultados de quando duas figuras ávidas pelo poder travam uma disputa na qual as pessoas são meramente instrumentos para tal objetivo. De acordo com especialistas na obra de Dostoiévski, Os Demônios é uma das poucas, senão a única obra do escritor russo que teve como ponto de partida uma tragédia real: o assassinato do estudante Ivanov por um grupo de niilistas liderados Nietcháiev, em 1869.

Todo o ambiente político de então é recriado por Doistoiévski de maneira magistral e, a partir dos personagens Kirilov, Chigalióv e Piotr Stiepánovitch, temos a representação do intelectual pessimista e dos fanatismos políticos perpetrados pelos grupos de Chigalióv e Stiepánovitch. Temas como fundamentalismo religioso, fanatismo político e terror se fazem presente nesta obra prima. As análises críticas sobre o humano e a sua busca pelo poder são de uma atualidade perturbadora. Para historiadores, ao construir as personagens de Chigalióv e Stiepánovitch, Dostoiévski foi profético a respeito dos horrores cometidos em nome de Hitler e Stálin.

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2 – Os Miseráveis, de Victor Hugo

Esta obra monumental do escritor francês Victor Hugo é fundamental não apenas para se compreender a questão da miséria humana, mas também para quem deseja ter acesso a críticas e percepções do período revolucionário que resultou na fundação do Estado francês. Inúmeras críticas tecidas pelo escritor podem ser muito bem adaptadas e trazidas para o atual contexto político, principalmente quando pensamos na atual fase da Europa e dos novos movimentos revolucionários.

Os Miseráveis não chamou apenas a atenção, à época, por conta de seu teor crítico, mas, principalmente, por ter como protagonistas um presidiário (Jean ValJean), uma prostituta (Fantine) e uma criança explorada por adultos (Cosette). Tal escolha de personagens foi considerado um escândalo, pois, à época, os romances apenas retratavam o cotidiano da realeza e da burguesia.

A partir da narrativa de Jean, Fantine e Cosette, Victor Hugo mergulha na hipocrisia humana e como está dividida entre “ambiciosos” e “invejosos” e que tal divisão é parte da cultura e, portanto, presente desde a educação infantil. Ao mesmo tempo em que o autor desnuda a “sociedade de bem”, ele dá voz aos sujeitos subalternos que passam ao largo da Revolução Francesa.

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3 – Vidas Secas, de Graciliano Ramos

Considerada a obra mais importante do movimento realista da literatura brasileira,Vidas Secas nunca esteve tão atual, principalmente quando pensamos que nos dias atuais o que mudou foi o mapa geográfico da seca retratado na obra. Se antes eram exôdos rurais, hoje o Brasil vive na iminência de um êxodo urbano.

Empurrados pela seca, a família de Sinhá Vitória e Fabiano empenha uma jornada em busca de meios à sobrevivência. Na obra, o que chama atenção é que, a única personagem humanizada e com sentimentos é a cachorra Baleia e também é a única que possui um nome. As outras personagens são referidas pelos cargos que ocupam ou posição genética na família, tais como filho mais novo.

Vidas Secas é um mergulho profundo na miséria humana no que diz respeito a explorar o próximo em situações de calamidade, tal como a seca. O que impressiona é a crítica de Graciliano Ramos: profética e atual.

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4 – O Evangelho segundo Jesus Cristo, de José Saramago

Como será que Jesus Cristo narraria a sua trajetória se lhe fosse dada esta oportunidade? É o que faz o escritor José Saramago em O Evangelho segundo Jesus Cristo, onde o Messias é o narrador de sua própria história na qual mitos bíblicos e crenças religiosas são desconstruídos.

Em tempos onde fundamentalistas religiosos ocupam cargos de poder no Brasil e em outros países, resgatar a obra de Saramago é de fundamental importância, principalmente quando lembramos da memorável cena onde Cristo estabelece um diálogo com o Diabo e Deus e fica sabendo do provável acordo entre as duas imagens referências da religião.

Além de toda a crítica à moral religiosa, principalmente a católica, reler O Evangelho…é de suma importância para compreendermos que, entre laicos e fundamentalistas, o acordo político vem antes.

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5 – Ventos do Apocalipse, de Paulina Chiziane

Ventos do Apocalipse, ao lado de Neketcha – Uma história de poligamia, é considerada uma das obras mais controversas de Paulina Chiziane, onde a escritora moçambicana pesa a caneta para retratar os horrores da guerra de civil de Moçambique, que aconteceu entre 1977 e 1992 e onde a escritora atuou como voluntária para ajudar os feridos de guerra.

Na obra, Paulina Chiziane está mais interessada em discutir a relação e a destruição entre os irmãos moçambicanos do que as questões políticas. Ativista da revolução que libertou Moçambique da colonização portuguesa, Chiziane sempre declara que, à época, não se conformava que, depois de tanto lutar contra os colonizadores, moçambicanos iniciassem uma guerra contra… moçambicanos.

Com uma narrativa muito particular, Paulina Chiziane retrata os horrores da guerra civil que, segundo a autora, presenciou durante o conflito. Não existe bem ou mal, apenas guerra e miséria.

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Ilustração de capa: Emile Bayard (A jovem Cosette)

 

 

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