5 passos para acelerar a igualdade de gêneros no mercado de trabalho

Coisa de menina e coisa de menino. Desde a mais tenra idade, somos levados a acreditar que nem tudo é para todos e que homens e mulheres têm funções diferentes e predefinidas que não podem ser modificadas. Basta fazer um passeio por qualquer loja de brinquedos para entender essa dinâmica. Às meninas está destinado um mundo cor-de-rosa, repleto de bonecas, utensílios domésticos e estéticos. Aos meninos, carrinhos, super-heróis e jogos de raciocínio. Pode parecer algo inocente, mas aí já começa a se formar na cabeça dos futuros adultos qual será o papel de homens e mulheres na sociedade – o que se reflete na vida pessoal, nos estudos e, finalmente, no mercado de trabalho.

Fonte: Galileu

Segundo Patrícia Fagundes Cabral, pesquisadora do programa de pós-graduação em Gestão e Negócios da Unisinos, é necessário um processo de aprendizagem social amplo para compreender que o perfil de liderança compete aos dois gêneros. Atributos como ambição, coragem, tomada de decisão e força são intrínsecos aos humanos, e podem, sim, ter expressões distintas no comportamento de homens e mulheres.

Da mesma forma que empatia, acolhimento e sensibilidade – todos igualmente importantes no exercício da liderança – não competem somente às mulheres. “Considero importante estarmos atentos para não reforçar a cultura do preconceito, invertendo o pêndulo”, alerta a professora da Unisinos. “Por mais que se preconize o rompimento desse paradigma, culturalmente o estereótipo de líder como ‘Grande Homem’ ainda está presente. E, nesse sentido, entre as poucas mulheres que ascendem a cargos de liderança estratégicos muitas incorporam um comportamento que reforça atributos ditos ‘masculinos’.”

São poucas mesmo. No mundo inteiro, apenas 9 em cada 100 mulheres chegam ao cargo de CEO. Nas empresas brasileiras, as mulheres ocupam 6% de todos os cargos executivos disponíveis. Mais do que preconceito, isso tem a ver com as escolhas feitas a partir da construção social dos gêneros e das experiências atribuídas a homens e mulheres desde a infância. Elas moldam o entendimento de vida e as aspirações de carreira de cada um.

BRINCAR DE SUPER-HERÓI: NÃO É DIVERSÃO SÓ DE MENINO

E, mesmo dentro do próprio gênero, ainda existe segregação. Até que ponto mulheres negras e trans pertencem a essa realidade conquistada por brancas, de classe média/alta? Segundo estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), enquanto mulheres brancas ganham 75% da renda de um homem branco, mulheres negras ganham apenas 40%.

Esse abismo entre o próprio gênero é um reflexo da estrutura social vinculada à raça também. Quando as mulheres brancas foram ao mercado de trabalho, as mulheres negras vindas da periferia passaram a assumir as tarefas da casa e a responsabilidade com os filhos, e isso reflete na desigualdade entre as próprias mulheres, quando na verdade deveria ser discutido o papel do homem dentro da própria casa.

A exemplo da sociedade, o mercado de trabalho é um espaço de conflitos e obstáculos de gênero. Tomado por preconceitos, ele também contribui para perpetuar a segregação. De acordo com estimativa da Associação Nacional de Travestis e Transexuais do Brasil (Antra), 90% dos travestis e transexuais se prostituem porque não encontram outras formas para se sustentar.

E o fim dessa disparidade parece distante. De acordo com relatório do Fórum Econômico Mundial, o Brasil ocupa a 79ª posição no ranking mundial de desigualdade de gênero no mercado de trabalho. Neste ritmo, as brasileiras levarão 95 anos para atingir a igualdade.

Educação: caminho para a mudança

Para mudar este cenário, é preciso promover uma mudança cultural na sociedade, que só é possível por meio da educação. “É preciso ir além das imagens sociais de ‘cuidadora’ e ‘provedor’, de ‘líder-herói’ ou ‘grande homem’. E também enfatizar o protagonismo de relação (mãe e pai) no desenvolvimento dos filhos”, afirma Patrícia.

Ela acredita que, se as escolas e as universidades contribuírem para formar os cidadãos, teremos profissionais, pais e filhos mais aptos e mais conscientes para promover a cultura da igualdade de gênero. “Uma sociedade em que a justiça não se faça apenas na preservação da igualdade, mas também no respeito e na oferta de oportunidades à diversidade. Nesse caminho evolutivo, a desigualdade diminui e a igualdade se fortalece, sem ignorar os aspectos distintos que há em cada ser humano”, complementa.

Na família, também deve haver uma mudança de paradigmas para que a mulher não tenha a carreira prejudicada por engravidar, por entrar em licença-maternidade, ou por ser a única responsável pelo filho quando ele fica doente. “É preciso abrir mais espaço para o protagonismo dos homens na família. A criação de um filho requer paternidade factual: um pai também pode e deve levar o filho ao médico, participar da reunião da escola”, reflete Patrícia. “E se há esse equilíbrio dinâmico na família, as empresas também vão lidar com o fato de que o homem precisa se ausentar, eventualmente, para vivenciar a paternidade; e isso deixa de ser uma questão feminina.”.

Não existe outra maneira de chegar à igualdade de gêneros se não mudando a noção que temos sobre as competências das mulheres e seu papel na sociedade. Como? Pela educação, com muito diálogo e, principalmente, vontade de transformar nossa realidade. É possível, e a hora é agora! Confira, a seguir, os cinco passos para acelerar a igualdade de gêneros no mercado de trabalho.

MUNDO CORPORATIVO: IGUALDADE DE GÊNEROS É FUNDAMENTAL NO MERCADO

1. Ampliar a concepção de liderança  

A visão de que os cargos de gestão combinam mais com características ditas masculinas, como rapidez de decisão, coragem, força e ambição, é histórica. E muitas mulheres, equivocadamente, acabam incorporando essas características, achando que é esse o caminho para chegar ao topo. Por isso, é preciso romper esse paradigma e valorizar os atributos ditos femininos, como sensibilidade, flexibilidade, intuição, capacidade de trabalhar em equipe e administrar a adversidade, que são fundamentais para gerir e liderar equipes e trazer bons resultados para a empresa, qualquer que seja o ramo de atividade.

2. Valorizar as mulheres por seus atributos profissionais

Ainda hoje existe o estigma de que mulheres em altos cargos chegaram à chefia por seu poder de sedução ou seus atributos físicos, quando o que deveria ser enaltecido é a qualificação do profissional, independentemente do gênero. Segundo pesquisa realizada pelo IBGE, as mulheres possuem nível de escolaridade superior ao dos homens, ocupam a maioria das vagas das universidades (55,1%) e são maioria também na conclusão do curso (58,8%). Quando o assunto é pós-graduação, representam 53,5% dos mestres do país. Ou seja, não falta qualificação. O que falta é desconstruir o preconceito, o que só irá acontecer com o esforço das organizações para contratar os funcionários apenas com base na competência profissional.

3- Promover salários mais igualitários  

De maneira geral, homens ganham mais do que mulheres que ocupam o mesmo cargo e exercem as mesmas funções. E um dos motivos é a ideia de que os homens são os provedores da casa. É verdade que eles ainda são maioria, mas o último Censo apontou que 39,8% dos domicílios brasileiros são chefiados por mulheres. Não é pouca coisa. Ainda assim, elas não se sentem confiantes para pedir aumento de salário. Para alcançar a igualdade salarial, todas as esferas da sociedade devem fazer sua parte. O governo, implementando um maior número de creches e tornando lei a licença-maternidade compartilhada, o que permitiria às mulheres mais dedicação à sua vida profissional. As famílias, promovendo uma divisão de tarefas igualitária, o que daria às mulheres a possibilidade de manter suas carreiras. E as empresas, colocando em prática políticas organizacionais que contemplem as necessidades das mulheres, como sala de amamentação, creches conveniadas, entre outras.

4. Mudança na lei

Segundo uma pesquisa da Robert Half, empresa de recrutamento de São Paulo, feita com 1.775 companhias de 13 países, em 85% das empresas brasileiras, metade das mulheres deixa o emprego após o nascimento do filho. Ou seja, a maternidade ainda é uma das principais causas da saída da mulher do mercado de trabalho. E a lei brasileira contribui para esse cenário: legalmente, os pais têm direito a apenas cinco dias de licença-paternidade, enquanto as mães podem tirar até quatro meses de licença, o que já implica às mães a responsabilidade pela criação dos filhos. Algumas empresas, no entanto, estendem a licença-paternidade para 20 dias e a maternidade para seis meses. Ainda assim, a disparidade é grande. O ideal seria que a lei garantisse uma licença compartilhada, como acontece na Suécia, por exemplo. Lá, mães e pais podem dividir o tempo de licença, que é de 480 dias. Ambos são obrigados a tirar pelo menos 60 dias de folga, mas podem partilhar o restante como quiserem.

5. Mudar a cultura dentro de casa

Este talvez seja o ponto mais fácil de colocar em prática, porque só depende da boa vontade dos homens em compartilhar as tarefas com as mulheres. Um bom começo é parar de usar a palavra ajuda. Parece preciosismo, mas se o homem acha que “ajuda” sua esposa com as tarefas, está pressupondo que a obrigação é dela, quando a responsabilidade por cuidar da casa é de todos que moram nela. Homens, mulheres, idosos ou crianças devem fazer a sua parte para manter a casa limpa e organizada. Se todos colaborarem, não fica pesado para ninguém, e a mulher poderá se dedicar à carreira com mais tranquilidade.

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