52 anos de Star Trek, série que mudou o mundo com ficção científica de primeira

Em 8 de setembro de 2016, comemoramos o cinquentenário de Star Trek, pois foi naquele dia, em 1966, que a série clássica foi ao ar pela primeira vez nos Estados Unidos —; depois disso, não é exagero dizer que o mundo nunca mais foi o mesmo. Agora, nesta mesma data em 2018, celebramos os 52 anos da franquia.

Por Patrícia Gnipper, do Canaltech

Nichelle Nichols, conhecida por interpreter Lieutenant Uhura em Star Trek (Reprodução do filme Star Trek )

Nunca mais foi o mesmo em vários aspectos, por sinal: para começar, Jornada nas Estrelas, a série clássica, levou à televisão estadunidense, até então bastante conservadora, personagens de etnias diferentes em uma mesma sala de comando — ou seja, ainda que ali haja uma hierarquia, a começar pela posição do capitão, seus tenentes e oficiais eram diversos, incluindo mulheres, pessoas negras e membros de nacionalidades diferentes, como russa, asiática e escocesa, por exemplo.

Nichelle Nichols, inclusive, que deu vida à tenente Uhura, teve seu papel marcado como a primeira mulher negra a não ser retratada como uma serviçal na televisão norte-americana. Ainda, em um episódio veiculado em 1968, Uhura e o capitão Kirk se beijam, com este sendo o primeiro beijo interracial exibido na TV do país.

Cena que ficou para a história (Reprodução do filme Star Trek)

Uma das premissas básicas de Star Trek é justamente a evolução do ser humano em um futuro em que a exploração interestelar é uma realidade, mostrando que é possível evoluir, enquanto sociedade, a um ponto em que raça, gênero e status social não sejam características importantes, nem mesmo para fazer parte da Frota Estelar — agência de defesa, pesquisa, diplomacia e exploração da Federação dos Planetas Unidos, criada no ano de 2161 com a missão de “audaciosamente ir aonde ninguém jamais esteve”.

Prova disso é o oficial de ciências e segundo no comando da nave Enterprise, Spock. Interpretado com maestria por Leonard Nimoy, Spock é um mestiço: com uma mãe humana e um pai vulcano, ele é o “peixe fora d’água” de seu planeta-natal, onde é visto com maus olhos pela sua metade humana, enquanto que, entre os colegas da Terra, é encarado como frio e excessivamente racional, uma vez que foi submetido à rígida educação vulcana. Ainda assim, ele se torna um membro indispensável para a equipe, sendo, também, o melhor amigo do capitão Kirk.

O “triunvirato” da série clássica: Kirk e sua habilidade de liderança, Spock e sua racionalidade lógica, e McCoy com sua humanidade exemplar (Reprodução do filme Star Trek)

Agora, imagine o choque da sociedade norte-americana ao ver, em plena conturbada década de 1960, uma série de ficção científica levantando temas como racismo, xenofobia e misoginia — temas esses que são polêmicos na mídia até os dias de hoje. Contudo, ainda que alguns tenham “torcido o nariz” para a série à frente de seu tempo, muitos outros se sentiram contemplados com o sentimento de diversidade e pertencimento que Star Trek proporcionou, e certamente esse é um dos pilares que mantêm o sucesso da franquia em pleno século XXI.

Jornada nas Estrelas teve, até o momento, seis séries (contando com a atualmente em exibição Star Trek: Discovery), treze filmes e uma série animada, que foram exibidos ao longo das últimas cinco décadas. E, apesar de as outras séries da franquia terem explorado outras tramas, sem dúvida o nome Star Trek é instantaneamente vinculado à nave Enterprise, cujo destino era “o espaço, a fronteira final”, cumprindo uma “missão de cinco anos para explorar novos mundos, pesquisar novas formas de vida e novas civilizações”.

Com essa premissa básica, a produção teve a liberdade de explorar uma imensidão de situações que, usando a temática sci-fi, abordam questões sociais, políticas e morais — e este, sem dúvida, é um dos principais motivos para que Jornada nas Estrelas tenha conquistado (e siga conquistando) uma base de fãs tão grande ao redor do mundo.

Jornada nas Estrelas e a ciência

Além de ter aberto o caminho para uma imensidão de outras séries e filmes de ficção científica de tremendo sucesso, Star Trek também deixou suas marcas na vida real. Falamos, acima, na relevância da franquia no que diz respeito à luta contra o preconceito racial e demais opressões, mas a importância de Jornada nas Estrelas vai muito além das questões sociais citadas.

Vamos começar pela ciência: diversos cientistas da NASA e demais agências espaciais declaradamente tiveram na franquia uma grande inspiração para seguirem carreira científica. Alguns deles, além de cientistas não vinculados a agências espaciais, declaram a importância de Star Trek em suas carreiras no documentário The Truth Is in the Stars(ou “A Verdade Está Nas Estrelas”, em português), lançado em 2017 e disponível na Netflix.

TRAILER – THE TRUTH IS IN THE STARS – Official Trailer 2017 from BallinranEntertainment on Vimeo.

O filme mostra o impacto de Star Trek na ciência e na exploração do espaço, com William Shatner (o clássico capitão Kirk) apresentando o programa e fazendo entrevistas com celebridades e cientistas influentes — incluindo o astronauta Chris Hadfield, que viveu na Estação Espacial Internacional, além de nomes peso-pesados como o astrofísico Neil deGrasse Tyson, o físico teórico Michio Kaku e até mesmo o lendário Stephen Hawking.

Em 1976, fãs da série enviaram cerca de 400 mil cartas à NASA pedindo que a agência mudasse o nome de seu primeiro ônibus espacial, que se chamaria Constitution, para Enterprise. O programa dos ônibus espaciais tinha como objetivo criar espaçonaves reutilizáveis em várias missões, mas, para os trekkers, a primeira nave espacial deste tipo na história da humanidade não poderia receber outro nome além daquele que batizou a lendária nave da série clássica de Star Trek — e o pedido foi atendido.

O ônibus espacial Enterprise (OV-101) foi revelado ao mundo em 17 de setembro de 1976, contando com parte do elenco original, além de Gene Roddenberry, criador de Star Trek (Foto: NASA)

A nave, contudo, foi construída apenas para testes e, portanto, não chegou a ir para o espaço. Desde 2011, a Enterprise da NASA é exibida no Intrepid Sea, Air & Space Museum, em Nova Iorque.

Alguns anos depois da revelação da Enterprise da vida real, em 1979 a NASA convidou Nichelle Nichols para ajudar a recrutar mulheres e minorias sociais para seu programa espacial. A atriz, ciente de que muitos candidatos qualificados foram rejeitados no passado por conta de seus gêneros e etnias, aceitou ajudar a agência espacial, mas disse que se eles continuassem rejeitando mulheres e minorias, ela seria “o pior pesadelo” da NASA. E foi assim que o programa espacial começou a ficar mais diversificado.

Ainda falando de Jornada nas Estrelas inspirando a NASA, na década de 1990 alguns documentários coproduzidos pela agência espacial traziam membros do elenco da série clássica como narradores. É o caso do filme Destiny in Space, de 1994, narrado por Leonard Nimoy.

Em 1992, Mae C. Jemison se tornou a primeira mulher afro-americana a ir para o espaço, declarando publicamente que se inspirou em Star Trek para viabilizar esse sonho, destacando a personagem de Uhura nesse sentido. Ah, e pouco antes de seu lançamento, a astronauta telefonou para Nichols para agradecê-la por tudo.

Além disso, a agência espacial dos EUA nomeou alguns asteroides em homenagem a pessoas ou elementos ligados ao universo trekker, como é o caso dos objetos abaixo:

  • 2309: Mr. Spock (que dispensa explicações)
  • 4659: Roddenberry (celebrando Gene Roddenberry, criador de Star Trek)
  • 7307: Takei (em homenagem a George Takei, que deu vida a Hikaru Sulu)
  • 9777: Enterprise (a icônica nave da Federação)
  • 26733: Nanavisitor (em homenagem a Nana Visitor, a major Kira Nerys de Star Trek: Deep Space Nine)
  • 26734: Terryfarrell (homenagem a Terry Farrell, que interpretou Jadzia Dax em DS9)
  • 68410: Nichols (homenageando Nichelle Nichols, a tenente Uhura da série clássica)

E a NASA não é a única a se inspirar em Jornada nas Estrelas. A empresa privada de turismo espacial Virgin Galactic, por exemplo, decidiu nomear, em 2004, uma de suas aeronaves com o nome de VSS Enterprise, que, infelizmente, acabou sendo destruída dez anos depois em um acidente fatal.

Já em 2013, o astronauta Chris Hadfield vivia na Estação Espacial Internacional durante sua missão. Ali, aconteceu um momento histórico: o canadense conversou com William Shatner em uma transmissão ao vivo. Antes do bate-papo, Shatner perguntou ao astronauta via Twitter “você está tuitando do espaço?”, e então Hadfield respondeu: “Sim. Órbita padrão, Capitão. E estamos detectando sinais de vida da superfície”, em uma divertida alusão a momentos da série.

Em 2015, Leonard Nimoy faleceu aos 83 anos de idade. A NASA, então, fez uma homenagem belíssima ao eterno Spock: o astronauta Terry Virts, que estava na ISS, tirou uma foto da Terra vista do alto enquanto fazia a saudação vulcana “Vida Longa e Próspera” com as mãos. O momento foi especialmente emocionante porque, coincidentemente, sua mão apareceu acima de Boston, cidade natal de Nimoy.

A influência de Star Trek na tecnologia

“A ficção científica de hoje é o fato científico de amanhã”. A frase atribuída a Isaac Asimov não poderia se mostrar mais verdadeira, uma vez que muitas das tecnologias de nosso cotidiano no século XXI existiam somente nos roteiros de sci-fi de décadas passadas. E muitas delas apareceram em Star Trek antes de se tornarem itens do dia a dia atual.

Tradutor universal? Bom, a coisa ainda está começando, mas já temos à nossa disposição os fones Pixel Buds, da Google, que traduzem em tempo real uma conversa em dois idiomas diferentes. Computadores inteligentes? Em Jornada nas Estrelas, vimos computadores equipados com inteligências artificiais em uma época em que a computação pessoal ainda estava engatinhando. Impressora de comida? Ainda não podemos apertar um botão em uma máquina capaz de preparar refeições em um piscar de olhos, mas a impressão 3D já evoluiu o suficiente para sermos capazes de imprimir alimentos, como chocolates, por exemplo. Videoconferências? Hoje qualquer um é capaz de conversar em vídeo por meio de um smartphone, mas, na época de Star Trek, isso era apenas um sonho distante.

Em 1991, a Apple lançou o player de mídias QuickTime. Steve Perlman, funcionário da Maçã à frente do projeto na época, declarou, anos depois, que se inspirou no personagem Data (o androide de TNG) ao vê-lo acessar seus próprios arquivos de música com tanta facilidade e queria trazer funcionalidade parecida ao novo software da Apple.

Mas talvez as duas maiores influências de Star Trek na tecnologia atual sejam os smartphones e os tablets. Os comunicadores da série clássica mexeram com o imaginário popular, sendo estes uns dispositivos sem fios que permitiam a comunicação entre os membros da equipe, onde quer que estivessem.

Reprodução do filme Star Trek

O aparelho do tipo “flip” certamente inspirou os designers de celulares entre o final dos anos 1990 e o início da década de 2000 — e Martin Cooper, inventor do primeiro telefone celular da Motorola (em 1973), declarou publicamente, na época, que se inspirou fortemente nos comunicadores de Jornada nas Estrelas em sua invenção — ainda que o “tijolão” criado por Cooper não tivesse o design “flip” dos comunicadores trekkers.

Ainda, em 1993, Rob Haitani, designer de produtos da Palm, desenhou o que seria a interface do Palm OS e, na época, declarou que seus esboços foram influenciados pela interface dos painéis da ponte de comando da Enterprise.

Já os tablets, que em TNG eram chamados de PADs (Personal Access Data Services), não existiam na época em que a série foi ao ar, entre o final da década de 1980 e meados dos anos 1990. Os minicomputadores portáteis que cabiam nas mãos são o equivalente aos tablets da atualidade.

Sendo assim, nada mais lógico (oi, Spock!) do que desejar “vida longa e próspera” a Star Trek que, mesmo após a morte de seu criador, em 1991, continua firme e forte produzindo novos roteiros e alimentando não somente sonhos no imaginário popular, como também ideias que, um dia, poderão se concretizar e tornar o mundo melhor.

 

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