“Espero muito os nossos Baracks Obamas”, diz Elisa Lucinda

“Não se dá ré na consciência de um povo.” Com a frase, a atriz, poeta, apresentadora, dramaturga, cantora capixaba Elisa Lucinda resume suas convicções e aspirações para o futuro imediato do país. Em cena no palco paulistano do CCBB com “L, o Musical”, ela conversou com o blog sobre Justiça, racismo, política, arte, educação, inclusão e esperança: “Alô, alô, tem um novo Brasil acontecendo”.

POR DENISE MOTA, do Preta, preto, pretinhos

Sérgio Martins/Divulgação

Preta, preto, pretinhos – O ano começa com “L, o Musical”, atualmente nos palcos do Centro Cultural Banco do Brasil em São Paulo. Que outros projetos você está desenvolvendo para 2018?

Elisa Lucinda – Olha, o ano começa muito bem com “L, o Musical” em São Paulo. Eu fico muito feliz. Ainda mais depois de um ano que foi notadamente desfavorável para a cultura, para a educação, já que, afinal de contas, a arte é projeto educacional de um país também. E eu me sinto até privilegiada de começar 2018 com a peça em cartaz, um trabalho que tem a parceria do Centro Cultural Banco do Brasil.

Por outro lado, estou com muita vontade de reestrear a minha peça “A Paixão, segundo Adélia Prado”, com direção de Geovana Pires e dramaturgia minha e dela a partir da obra da Adélia. Não é um recital, é uma história. André Ramos é um músico em cena que também interpreta o anjo e Jonathan. É muito interessante e fez muito sucesso. Nós reabrimos a Casa de Cultura Laura Alvim em Ipanema no ano passado. Quando terminarmos “L, o Musical” em São Paulo, vamos para Belo Horizonte e aí retomamos certamente. A Adélia também deve estrear em São Paulo.

“Parem de Falar Mal da Rotina”

Nesse ínterim ainda quero fazer uma homenagem ao “Parem de Falar Mal da Rotina” colocando-o em cartaz. Ainda não consegui finalizar o DVD, mas consegui-lo-ei. E é uma peça que, em 2018, faz 16 anos e importa muito para a minha vida. Foi uma escola para mim ficar 16 anos em cartaz com um trabalho. Não é fácil, não. Vou fazer uma homenagem que deve ser na sala Baden Powell, mas ainda não sei. Ainda estamos confirmando o teatro. Mas, em um final de semana em março, quando eu tiver uma folguinha, quero fazê-lo.

Tem dois livros para serem lançados, um romance e uma reedição do “Parem de Falar Mal da Rotina”. Nós devemos rodar um filme em Goiás. Eu também estou preparando um elenco de não atrizes em uma peça sobre Teresa de Benguela. Isso é em Cuiabá.

TV e internet

Estou com um projeto de um programa de TV e outro na internet. Na metade do ano, acho que lançaremos o filme que fizemos no ano passado com a Cibele Amaral em Brasília. Devemos continuar com projeto “Versos de Liberdade” na Casa Poema. É um trabalho que fazemos em parceria com a OIT (Organização Internacional do Trabalho). Damos aulas para adolescentes que estão internados cumprindo medidas punitivas. Damos aulas para a polícia. E também damos aulas para trans e travestis em um projeto que se chama “Transcidadania”, em São Paulo. Eu amo essa cidade e gosto muito das coisas que acontecem no contrafluxo de tudo o que a gente acha ruim nela. Acho que a parada cultural faz da cidade uma referência.

Cena de “L, o Musical”, em cartaz em São Paulo (Sérgio Martins/Divulgação).

Preta, preto, pretinhos – O que deseja para o Brasil neste ano?

Elisa Lucinda – Gostaria que pudéssemos retornar o Brasil aos trilhos de uma política de inclusão. Nós, nesses últimos governos, tivemos uma experiência de cotas, de trabalho inclusivo em todas as áreas, e isso deu ao país uma nova cara. Por mais que estejamos tristes e desesperançosos por um lado, por outro temos uma periferia mais forte, uma pobreza que entrou na universidade, que está formando a sua narrativa, que está fazendo seu filme. A Glenda Nicácio foi premiada. Se não fosse a política de cotas, ela não seria a cineasta que foi premiada no Festival de Brasília com seu “Café com Canela”.

Alô, alô, tem um novo Brasil acontecendo. E eu espero que esse novo Brasil bombe e mostre sua cara nas urnas e nos inúmeros trabalhos não governamentais, que continuarão a existir. Apesar de toda a violência que sofremos no sentido da educação, de atraso nos nossos avanços sobre diversidade, na lei do aborto… Tivemos retrocessos em várias áreas graves para um país tão desigual, que vive tentando ter políticas que diminuam essa diferença, de redução de danos.

“Chega de mais do mesmo”

É muito barra pesada a crueldade da injustiça brasileira. Então, meu sonho é que coloquemos o carro no trilho nesse sentido. Seja quem for o novo presidente, eu gostaria que fosse alguém que olhasse para o coletivo brasileiro. Chega de mais do mesmo.

Chega dessa gente totalmente contaminada pela corrupção na gestão pública. A gestão pública está cansada, saturada de meninos mimados. Meninos mimados não dividem a bola, não querem partilhar o brinquedo. Eles querem tudo para eles. E esse é o resultado para as cidades e para o país neste momento. Eles só querem tudo que os proteja, que garanta sua impunidade.

Por isso, acho que eu espero muito os nossos Baracks Obamas. Espero muito que o pobre volte a ter poder nas decisões do país. Eu falo isso porque eu acho que os pobres sabem mais da coletividade. Se estiverem preparados, eles podem fazer uma gestão pública diferenciada e mais justa. Eu sonho com um país menos racista.

Esse ano que passou ficou uma saia justa para quem produz pensamento. Foi uma vergonha a história do William Waack, que revelou o quanto de racismo há estruturalmente na cabeça até de brasileiros ilustres. Então, temos que criar um novo Brasil, e é nesse país que eu creio. Não se dá ré na consciência de um povo.

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