Violência obstétrica atinge 25% das mulheres no Brasil

Projeto estadual prevê que hospitais fixem cartazes informando o que caracteriza a prática

Foto: Janis Christie/Getty Images/Photographer’s Choi

Entre a internação de Juliana Reis, 36, então grávida do seu primeiro filho, Paulo, em uma maternidade pública, e o nascimento dele, se passaram mais de 36 horas. A situação, que já era delicada porque ela não tinha dilatação para um parto normal, ficou ainda pior devido ao tratamento que recebeu. Juliana relata que o hospital não permitiu a entrada de seu marido na sala de pré-parto, que cada exame de toque era feito por quatro pessoas – o médico plantonista, uma médica professora e dois estudantes de medicina –, recebeu medicamentos de indução do parto sem saber do que se tratava, teve os braços amarrados durante o trabalho de parto e ainda foi xingada pela equipe médica pela demora na evolução do quadro. “Eu me senti um lixo em um momento que era para ter sido mágico”, lembra.

Tudo que ela passou tem nome – violência obstétrica – e atinge cerca de 25% das grávidas do país de acordo com pesquisa da Fundação Perseu Abramo divulgada no site da Organização Não Governamental (ONG) Artemis, que trata de violência doméstica e obstétrica. O tema também está em discussão na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), onde tramita um projeto de lei que pretende obrigar hospitais e maternidades a fixarem cartazes em locais visíveis informando as práticas que são consideradas violência obstétrica. “Muitas vezes, nem a mulher tem ideia de que está sofrendo esse tipo de violência”, diz a deputada Geisa Teixeira (PT), autora do projeto e vice-presidente da Comissão Extraordinária das Mulheres.

O texto preocupa a Associação de Ginecologistas e Obstetras de Minas Gerais (Sogimig), principalmente porque prevê que a paciente tem que concordar com alguns procedimentos, como a episiotomia (corte no períneo para aumentar o canal de parto). “Há procedimentos que devem ser feitos, e o paciente não tem a mínima condição de opinar”, diz o presidente da entidade, Carlos Henrique Mascarenhas Silva. Ele afirma que a entidade não foi consultada para a elaboração do projeto.

Para Silva, a relação do médico com a paciente tem que ser sempre respeitosa, mas não deve ser regulada por legislação. “Essas leis têm inspiração na Venezuela do Hugo Chávez. As relações entre os cidadãos têm que ser livres”, afirma.

O projeto já foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e, agora, está em análise na de Saúde. Se aprovado, vai a plenário. A proposta não prevê punição em caso de não cumprimento da lei. “A lei é protetiva, informativa. Isso (a punição) será regulamentado depois”, diz a deputada.

‘Sofri da entrada à saída do hospital’

Vítima de maus-tratos em uma maternidade particular, Patrícia Vilaça, 28, aprova a ideia o projeto. “Eu sofri violência obstétrica da hora que eu entrei na maternidade até a hora em que eu saí”, conta. Ela lembra que a médica negou anestesia, induziu o parto sem necessidade, disse que era “frescura” quando ela reclamou de dor, gritou com ela na sala de parto, fez duas episiotomias sem consultá-la ou informá-la e mandou a enfermeira subir em sua barriga para “ajudar” o neném a nascer. Todas essas práticas são listadas como violência obstétrica no projeto de lei que tramita na Assembleia de Minas.

Patrícia diz que pensou em processar a médica que chefiava a equipe no dia de seu parto, mas desistiu quando descobriu que, um tempo depois, a profissional viveu um drama pessoal e perdeu um bebê poucos dias antes da data prevista para o nascimento. “Ela teve o que mãe nenhuma merece. Hoje, minha vontade é dar um abraço nela”, afirma.

Prática é tratada com naturalidade

A violência obstétrica é tratada com tal naturalidade, que os profissionais de saúde sequer admitem que a prática existe, diz a diretora da ONG Artemis, Raquel Marques. “As equipes médicas relutam a enxergar a sua conduta como violenta”, diz.

Ela afirma que a situação só vai mudar com informação e regulamentação. Em São Paulo, após uma intervenção do Ministério Público, a Secretaria Municipal de Saúde passou a telefonar para as mulheres no pós-parto para avaliar o atendimento e coibir abusos.

Desrespeito. O presidente da Sogimig, Carlos Henrique Mascarenhas Silva, diz que o paciente no Brasil é desrespeitado sempre que não consegue consultas, exames ou vagas em hospitais. “Tem grávida que não consegue fazer ultrasom ou analgesia por falta de equipamentos e de equipes”, afirma. Ele completa que esses itens é que deviam preocupar o poder público.

Crime. No Brasil, a violência obstétrica não é considerada crime nem tem uma regulamentação específica. Tramita no Congresso Nacional um projeto que quer garantir às mulheres o direito à informação sobre o tema.

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