Quanto valem os direitos

Entre a austeridade e a defesa de direitos sem lastro econômico, mora a política

Por Thiago Amparo, da Folha de São Paulo

Thiago Amparo. (Foto: Arquivo Pessoal)

Um debate travado no tudo ou nada. Alguns alertam que não está no momento de alterar o teto de gastos. Fazê-lo levaria a uma elevação da carga tributária ou a maiores níveis da dívida pública. Ou seja, caos econômico, segundo eles.

Outros sustentam, sob a pecha de sonhadores, que o teto de gastos corrói o mínimo que a Constituição de 1988 dispõe obrigatoriamente para saúde e educação. Ou seja, ou o fim do teto de gastos ou a barbárie social.

A esse coro somou-se o STF, que decidiu (com razão) suspender no último dia 11 o teto de gastos do estado de Goiás.

Argumento que falta algo entre esse tudo ou nada. Falta política, em sentido genuíno. E aqui progressistas poderiam se sair melhor.

Ao campo progressista cabe primordialmente colocar alternativas realistas à mesa. Resistir não será suficiente. No único país com mais de 100 milhões de habitantes que conseguiu, mesmo com percalços, estabelecer um sistema de saúde universal e gratuito, isso é possível.

Diante da histeria palaciana de que não há dinheiro, coloquemos à mesa uma reforma tributária cujo cerne seja justiça econômica. Tributamos muito? Depende quem.

Relatório da Oxfam Brasil sustenta que a maioria de nossa carga tributária recai sobre consumo e trabalho (76% em 2014), o que atinge desproporcionalmente classes mais pobres, ao passo que nossa tributação sobre propriedade e ganhos de capital (7,4% do PIB em 2014) representa quase metade da média dos países da OCDE (13,6% do PIB).

O debate que progressistas deveriam estar fazendo não versa sobre aumentar ou não a carga tributária, mas, sim, sobre como tornar o sistema mais justo.

Diante dos cortes em políticas sociais no Orçamento de 2020 e o cenário sombrio que eles anunciam, cabe ao campo progressista expor as contradições existentes e fazê-lo sem purismo moral.

Governos Dilma e Lula, aliás, contingenciaram recursos nas áreas sociais, inclusive educação, em outros contextos de crise, vide orçamentos de 2015 e 2010.

Segundo estudo do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) sobre o Orçamento de 2020, o governo Bolsonaro prevê um aumento de 35% para os recursos com comunicação e reduz em 43,2% os recursos destinados a direitos da cidadania (como políticas para mulheres, negros e pessoas com deficiência), além de não ajustar os recursos para o Bolsa Família.

O planejamento para os próximos quatro anos sequer menciona gênero e raça, tornando invisível no orçamento a maioria da população do país.

Não é razão lacradora, é debate econômico. No Reino Unido, há um debate sério feito por grupos como Women’s Budget Group sobre como fazer com que orçamentos públicos considerem o fato de que o trabalho não remunerado recai desproporcionalmente sobre mulheres.

Diante das bravatas contra políticas redistributivas, lembremos que pouco se fala que áreas importantes como segurança e justiça também custam. E muito.

Dados do Justa, um projeto do Ibccrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), mostram que o orçamento do TJ de SP (12,4 bilhões em 2018) é maior do que dez setores inteiros do governo estadual.

Gastos com políticas de segurança, muitas vezes ineficientes e teatrais, consomem 6% do nosso PIB, segundo o Ipea em 2017. Tais políticas também devem passar pelo crivo da análise de seu impacto e eficiência para melhorá-las.

Falar de orçamento público é falar do tipo de país que queremos construir em conjunto. É, portanto, falar de política.

Se não cairmos no terraplanismo contábil, comum à esquerda na oposição, a bola permanece no campo progressista para apresentar alternativas. À política avante.

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