Dia Mundial contra o Trabalho Infantil: racismo aumenta desigualdade para crianças negras

Nas ruas de Sabará, região metropolitana de Belo Horizonte, Cristiano Paulo dos Santos, com cerca de 7 anos, saía todos os dias para vender din-din ou geladinho, um tipo de picolé artesanal em saquinhos plásticos. Esse foi um dos primeiros trabalhos de Cristiano, hoje com 42 anos.

Ivonete dos Santos Dias, de 31 anos, trabalhava na roça ou descascava mandioca para fazer farinha, junto com seus pais. Um trabalho pesado e diário, feito por uma criança na zona rural do Piauí, no município de São Raimundo Nonato.

Além do sobrenome e do histórico de trabalho infantil, Cristiano e Ivonete têm outro ponto em comum: são negros. Realidade de mais de 60% das crianças brasileiras que trabalham. Os dados foram repassados pela secretária-executiva do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, Isa Carvalho. Ela aponta que, no Brasil, a exploração do trabalho na infância tem cor.

Sonora: “Há uma estreita relação, embora isso, muitas vezes, seja velado…”

O racismo na forma de injúria racial era o sofrimento a mais que Cristiano carregava enquanto vendia dindim, como servente na construção civil, ou ainda tirando cópias de documentos em uma delegacia. Em todos os lugares, a exploração de sua força de trabalho vinha muitas vezes acompanhada de xingamentos. Cristiano relembra os episódios.

Sonora: “Existiam muitas crianças que vendiam e muitos que compravam, em tons de brincadeira, faziam atos de racismo, de xingamentos como ‘macaco’…”

A procuradora do Ministério Público do Trabalho, Elisiane dos Santos, reflete sobre a relação entre o trabalho infantil e o racismo em sua dissertação de mestrado pelo Instituto de Estudos Brasileiros, da USP. Quase 400 anos de escravidão e uma abolição que não existiu de fato são apontados pela procuradora como a raiz de uma realidade que perdura no país.

Sonora: “Logo no pós-abolição não tivemos políticas de inclusão da população negra no trabalho, nem políticas de educação para crianças negras…”

Tanto Cristiano quanto Ivonete perceberam, como consequência dessa exploração histórica, a dificuldade em quebrar um ciclo de gerações. O atraso nos estudos foi outro resultado do trabalho infantil, como conta Ivonete.

Sonora: “Isso me trouxe consequências até hoje. Sempre tive que trabalhar desde muito cedo…”

Mas eles conseguiram virar o jogo. Ivonete é hoje enfermeira e Cristiano pedagogo. Conseguiram quebrar o ciclo e deixam uma realidade diferente para os que virão. A mudança ocorreu a partir de esforço pessoal, mas também pela luta de entidades antirracistas e de organismos de combate ao trabalho infantil, que alertam diariamente para as violações contra as crianças.

Neste 12 de junho, Dia Mundial contra o Trabalho Infantil, o alerta é que, mesmo proibido no Brasil, o trabalho na infância atinge quase 2 milhões e meio de meninos e meninas entre 5 e 17 anos, segundo a última Pesquisa realizada pelo IBGE, em 2016. Crianças, em grande parte negras, que terão a infância cortada pela metade.

*Com produção de Marcela Rebelo

Foto em destaque: Reprodução/ ESBRASIL

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