Grupo racista dá 48 horas para deputadas negras deixarem Portugal

A onda de assédio a lideranças que atuam contra o racismo e pelo direito de imigrantes se intensificou em Portugal. Em meio a ameaças de morte, dirigentes de ONGs e três deputadas de partidos de esquerda receberam, na quarta-feira (12), um ultimato para que abandonassem o país dentro de 48 horas.

O email com as ameaças —dirigidas também aos familiares dos envolvidos— é assinado pela organização de extrema direita nacionalista Resistência Nacional.

O grupo é o mesmo que, no sábado (8), promoveu uma passeata com referências ao movimento racista Ku Klux Klan, com máscara e tochas, em frente à sede da ONG SOS Racismo, em Lisboa.

Mamadou Ba, líder da associação e um dos principais porta-vozes sobre questões raciais no país, foi um dos que receberam o email com o ultimato para deixar Portugal.

Ao todo, dez pessoas foram ameaçadas, incluindo duas deputadas negras nascidas no exterior: Joacine Katar Moreira (sem partido) e Beatriz Gomes Dias, filiada ao Bloco de Esquerda. Do mesmo partido, a parlamentar Mariana Mortágua também foi alvo da intimidação.

Segundo a mensagem, caso não saiam de Portugal no prazo estipulado, “medidas serão tomadas (…) de forma a garantir a segurança do povo português”.

“O mês de agosto será mês da luta contra os traidores da nação e seus apoiantes. O mês de agosto será o mês do reerguer nacionalista”, dizem os extremistas.

Nas últimas duas semanas, o grupo enviou pelo menos três mensagens contendo ameaças. Com referências a um suposto marxismo cultural, doutrinação comunista e hordas de imigrantes, os extremistas afirmam querer que “Portugal volte a pertencer aos portugueses”.

“A partir de hoje, o medo irá mudar de lado. Para cada nacionalista preso, um antifa [antifascista] será enterrado. Para cada cidadão morto, dez estrangeiros serão eliminados”, completam.

O grupo também ofende homossexuais e transgêneros.

A Polícia Judiciária portuguesa está investigando o caso, e o Ministério Público também abriu um inquérito sobre as ameaças recebidas.

Assim como em outros países, a onda de protestos por mais igualdade racial chegou a Portugal como efeito da morte do americano negro George Floyd e do movimento Black Lives Matter. No mês passado, foram realizadas manifestações antirracismo em várias cidades.

Estátuas de figuras ligadas ao passado colonial e escravocrata do país, como a do padre António Vieira, chegaram a ser vandalizadas.

Com a aproximação das férias de verão, o clima de movimentação parecia estar se reduzindo. Isto se inverteu em 25 de julho, com o assassinato do ator negro Bruno Candé, 39.

O artista foi morto perto de casa, com quatro tiros à queima-roupa. O autor dos disparos era vizinho do ator e teria proferido ofensas racistas. Segundo testemunhas, o assassino disse “preto, vai para a tua terra” antes de disparar. O homem, de 80 anos, teria histórico de ofensas racistas a Candé e a sua família.

O caso reacendeu o debate no país, onde é comum que os dirigentes políticos neguem haver grandes tensões raciais. O partido de direita populista Chega, que tem um deputado no Parlamento, organizou duas passeatas para afirmar que “Portugal não é um país racista”.

Como em Portugal o censo não recolhe informações raciais, não há dados oficiais sobre o tamanho da população negra no país.

Pesquisador dos movimentos de extrema direita no Centro de Estudos Internacionais do ISCTE (Instituto Universitário de Lisboa), Gabriel Guimarães ressalta que esses movimentos em Portugal têm histórico de serem pequenos e efêmeros —além de incluírem muitas divisões ideológicas.

Atualmente, as redes sociais são utilizadas por todos os grupos extremistas, que às vezes combinam os ataques virtuais a manifestações presenciais.

Para o cientista social, ao longo das últimas décadas, a ideia de patriotismo português imperial clássico —que associava a identidade nacional à vocação expansionista e à colonização ultramarina— acabou sendo também influenciada pelas escolas de pensamento com um nacionalismo europeu.

O movimento skinhead, na década de 1980, foi, segundo Guimarães, o primeiro agrupamento de direita em Portugal a romper com esse patriotismo clássico português.

“Talvez seja um dos primeiros fenômenos políticos a desafiar a ideia de que o português tem mais facilidade de lidar com africanos, com os povos dos trópicos, do que os outros europeus. Esse movimento põe isso em xeque de certa forma.”

Foto em destaque: Reprodução/ Folha de S. Paulo 

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