A revolução começa preta e trans

Os dados estão lançados no tabuleiro. Centrão e direita tradicionais –como PSD/DEM/MDB/PP– saem vitoriosos em termos de prefeituras, o que é relevante para verificar que o continuísmo permanece forte, capilaridade partidária ainda importa e a revolução de extrema direita, se a eleição municipal servir de algum parâmetro, definha. Ainda é cedo para decretar a morte política da extrema direita, mas que ela passa mal, passa.

Neste jogo, Bolsonaro é o azarão ao fundo, e sai massacrado. Seu filho, Carlos Bolsonaro, se reelegeu como vereador no RJ, mas com 35 mil votos a menos do que em 2016. Mesmo que seja ainda expressivo para quem nada faz no cargo que ocupa, ainda assim é uma derrota do bolsonarismo como projeto de pátrio poder.

Quem faz política personalista com robôs e sem partido mais cedo ou mais tarde morre na praia, ou ali permanece vendendo açaí. Que o diga Wal Bolsonaro e seus 266 votos em Angra dos Reis. Cabe a Bolsonaro, se quiser sobreviver politicamente, construir estruturas partidárias e angariar alianças com quem tem estrutura administrativa-política nas mãos para ter alguma chance em 2022. E aqui que mora a questão no valor de um cheque de R$ 89 mil: para sobreviver, Bolsonaro precisará do centrão, além de de parte dos evangélicos que já possui na sua conta, mas que ainda pode perder.

Até 2022, tudo pode mudar, inclusive os ventos da economia, para pior. No entanto, as eleições municipais indicam que, até lá, o centrão e a direita tradicionais podem cansar de serem fiadores políticos de uma família cuja única agenda política é a autopreservação no poder. Quem tem prefeituras na mão pode se cansar de um ventríloquo sentado na cadeira da presidência.

Quanto à esquerda e à centro-direita tradicionais, enfileirassem os videntes a anunciar uma morte antes que o corpo caia duro ao chão. PT e PSDB permanecem relevantes nas câmaras municipais, apesar das expressivas derrotas majoritárias, e ainda duelam em grande parte dos pleitos do segundo turno. Quaisquer alternativas à esquerda e à centro-direita, respectivamente, dependem da máquina partidária e de filiados nada desprezíveis de ambos os partidos.

Mas para ganhar em 2022, com um centrão fortalecido nas cidades e uma direita que se une, esquerdas precisam somar o capital político que, mesmo reduzido, ainda têm. Afagos entre Tatto e Boulos são um ótimo sinal. O PDT não apoiar Manuela d’Ávila (PC do B) em Porto Alegre, se se confirmar, é por outro lado um péssimo sinal. O PSOL desponta como alternativa majoritária, e o futuro dos demais partidos progressistas depende do pragmatismo que, todos, deverão assumir para que haja algum tipo de concertação política.

Se qualquer análise política não pode ser feita apenas a partir do umbigo sudestino-sulista, também é verdade que o tabuleiro do Sul ao Norte se move enquanto se joga, e para resistir a avanços da direita nas cidades, inclusive no Nordeste, é necessário combinar o jogo à esquerda entre os que ainda têm peças para jogar, os eleitos.

No tabuleiro político pós-eleitoral, Bolsonaro saiu mancando, mas direita e centro tradicionais estão só no aquecimento, e é contra eles, também, que as esquerdas hão de jogar.

À direita e ao centro, o eleitorado preferiu a continuidade. Nesse marasmo, vieram da esquerda novos sonhos de futuro. A esquerda está viva nos corpos pretos e trans que elegeu. Erika Hilton, a co-vereadora Carolina Iara em SP, Duda Salabert em Belo Horizonte, Benny Briolly em Niterói, Linda Brasil em Aracaju.

Foram 25 candidaturas trans eleitas em 2020, segundo a Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais). Vitórias também foram vistas em cidades médias como Bom Repouso, Uberlândia (MG), Batatais, Araraquara, Limeira (SP), Natividade (RJ), Rio Grande (RS) e Canauba do Dantas (RN). Os ventos que a esperança sopra levam corpos pretos, trans para o centro do poder. O que para os outros é identidade para nós é existência.

Negras quebraram o teto de vidro em Curitiba, com a eleição da primeira vereadora negra, Carol Dartora, pelo PT. Viúva de Marielle Franco, Monica Benício se elegeu no Rio, junto com as potências negras de Tainá de Paula e Thais Ferreira. Quilombo periférico em São Paulo, o que é lindo demais. Diversas candidatas apoiadas pelo Instituto Marielle Franco se elegeram Brasil afora. São as Marielles e Dandaras presentes, eleitas que encarnam as vozes de multidões por uma política radical, porque genuína.

A revolução começa preta e trans. E é só o começo. Quando esses corpos se movem para o centro da política, todos nós nos movemos. Nos movemos, sabendo que à espreita está o bolsonarismo, enfraquecido, e o centrão e direita tradicionais, fortalecidos.

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