“Chefe sugeria que eu alisasse cabelo”, diz recepcionista após vencer ação 

Uma decisão do Tribunal Superior do Trabalho que condenou o laboratório Fleury a pagar indenização para uma ex-funcionária por discriminação racial explicita um tipo de racismo reproduzido dentro de empresas, privadas e públicas: o institucional.

A Justiça definiu que o laboratório deverá pagar indenização de R$ 10 mil à ex-funcionária Mayara Oliveira de Carvalho. Ela, uma mulher negra com cabelo black power, era recepcionista do Fleury na unidade Villa-Lobos, em São Paulo, em 2017. No período em que trabalhava na empresa, havia um “guia de padronização visual” de que não constavam fotos de pessoas negras, apenas de pessoas brancas.

No julgamento, a ministra relatora Delaíde Miranda Arantes destacou que “a falta de diversidade racial no guia de padronização visual da reclamada [empresa] é uma forma de discriminação, ainda que indireta, que tem o condão de ferir a dignidade humana e a integridade psíquica dos empregados da raça negra, como no caso da reclamante [ex-funcionária], que não se sentem representados em seu ambiente laboral”.

Mayara Oliveira de Carvalho contou a Universa que após ser contratada para a função, foi apresentada às regras.

“No processo seletivo, foi falado sobre maquiagem e cabelo. A regra fundamental era de que, se o cabelo passasse dos ombros, tinha que ser preso. E quem tinha franja, teria que colocá-la de forma discreta”, explica. “Mas, meu cabelo não forma franja e não tem caimento abaixo dos ombros”, conta.

Ou seja, pelas regras, poderia deixá-lo solto. Entretanto, ela conta que a supervisora pedia para que ela fizesse escova no cabelo, prendesse os fios ou os deixasse “da forma mais discreta possível”. A ideia, segundo Mayara, era “manter uma aparência agradável para os clientes”. O uso de uma tiara para quem tinha franja era obrigatório. O acessório também era sugerido à ex-funcionária -mas, pelo volume, ele não ficava fixo.

O que é racismo institucional

Para uma das advogadas da ex-funcionária, Monique Prado, a fundamentação da ministra do TST sobre a falta de diversidade étnico-racial no documento “vai ao encontro do que o movimento negro chama de racismo institucional”. “Esse guia era discriminatório e não abarcava pessoas negras. A relatora ponderou esse ponto, ao dizer que um ambiente de trabalho discriminatório não dá conta da diversidade étnico-racial daquele espaço.”

Depois de passar por essas situações, conta Mayara, ela criou um projeto informativo sobre racismo no mercado de trabalho e enviou para um programa interno do laboratório, que dava oportunidade aos funcionários de sugerir projetos. Mas, conta ela, foi demitida “por não cumprir os pré-requisitos da empresa”.

“O racismo estrutural é um elemento que organiza e integra a sociedade, nas diferentes dimensões. É a relação de um grupo homogêneo com um grupo de massa dominada”, explica a advogada Silvia de Souza, que faz parte da equipe jurídica que representa Mayara no processo, também ligada à militância negra.

“O racismo institucional é quando essa estrutura de poder e dominação se espelha dentro de instituições públicas ou privadas, ou seja, as relações são estabelecidas no parâmetro da raça, ainda que isso seja negado.”

Ter funcionários negros não basta

Contar com a presença de funcionários negros não garante que a empresa não pratique racismo institucional, explica Silvia. “Sempre é discutido dentro dos movimentos negros que não adianta ter pluralidade, uma quantidade de trabalhadores negros, se não há um ambiente saudável de trabalho. Ter um padrão [de estilo] eurocêntrico não adianta, vai desgastar emocionalmente esses trabalhadores.”

A ex-funcionária diz que essa não foi a primeira vez que sofreu situações racistas no trabalho. Mas a consciência para denunciar, ela diz, veio com o ingresso na faculdade de psicologia e com o contato com movimentos negros.

“A gente precisa falar sobre isso. É tão comum fazer ‘piadinhas’ no cotidiano, nos diminuir pelas características, tom da pele e cabelo, que a gente acaba entendendo que é natural. É como se fosse uma hierarquia, em que as pessoas brancas são mais bonitas, inteligentes, dignas de certas oportunidades. Então, vestimos a camisa da inferioridade e não nos posicionamos. Ter conhecido a militância negra me fortaleceu muito.”

Segundo Monique, a equipe jurídica se preocupou em mostrar que o ambiente corporativo era excludente para pessoas negras. Por isso, diz a advogada, a tese de defesa está calcada no guia de padronização visual. A indenização que a Fleury terá que pagar para Mayara será por danos morais. Ainda cabe recurso.

Outro lado

Por meio de nota, o grupo Fleury disse que vai recorrer da decisão “por considerar que os elementos técnicos que subsidiaram a decisão em primeira e segunda instâncias foram desconsiderados, bem como porque não reflete em nenhuma medida o comportamento ético, plural e de respeito às pessoas ao longo de sua trajetória de mais de nove décadas”.

A empresa diz ainda que dos 11 mil funcionários, 50,6% são pessoas negras e 80% são mulheres.

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