De pai para filho, a meritocracia hereditária

As discussões em torno da meritocracia costumam ser interessantes. Especialmente para aqueles que acreditam que o esforço individual é suficiente para promover ascensão social.

Para muitos ricos e bem-sucedidos, reconhecer a interferência de fatores externos na sua trajetória costuma ser indigesto.

Habitualmente, eles não querem perder o prestígio de ser vistos como gênios de suas respectivas áreas. Alguns adoram ter seus egos acariciados pela bajulação por suas supostas qualidades internas.

De fato, existem descendentes das famílias de alta renda que trabalham duro. Eles aproveitam seus privilégios para se desenvolver como indivíduos e se tornar representantes ilustres de sua classe.
Entretanto, também há descendentes que não querem saber de esforço. Muitos se tornam preguiçosos. Em determinados contextos, fazem lembrar o que Veblen chamou de classe ociosa.

Assim, para infelicidade de seus pais, é possível que alguns destes não se tornem figuras proeminentes. Porém, isso não constitui uma preocupação para a transmissão do status social para a prole.

A influência da família garantirá considerável espaço em alguma função de poder. Eventualmente, em cargos públicos, no governo ou nas empresas.

Este cenário faz com que, independentemente do nível de esforço, exista uma transmissão intergeracional do status socioeconômico.

O dinheiro compra parte expressiva dos resultados que um indivíduo obtém na vida e, consequentemente, o que se convencionou chamar de mérito.

Logo, em certa medida, os bem-sucedidos herdam o status socioeconômico de seus pais.

Gregory Clark, pesquisador da Universidade da Califórnia, rastreou os nomes das famílias ao longo de gerações para verificar a influência na mobilidade social. Com isso, ele constatou que, em quase todas as sociedades pesquisadas, o destino de um indivíduo é determinado pela ancestralidade (The son also rises, 2014).

No Brasil, de acordo com estudo realizado pela OCDE considerando trinta países, a mobilidade social só não foi pior que a da Colômbia (“Broken social elevator? How to promote social mobility”, 2018).

Em parte, essa baixa mobilidade pode ser explicada pela falta de acesso à educação de qualidade. Ferreira e Veloso verificaram que existe uma baixa mobilidade intergeracional de educação no Brasil (“Mobilidade intergeracional de educação no Brasil”, 2003).

De acordo com os dados da PNAD de 2014, para os filhos de pais sem instrução, somente cerca de 4% conseguiram completar o nível superior. Por sua vez, os pais com ensino superior praticamente não tinham filhos sem instrução (Mobilidade sócio-ocupacional, 2016).

Adicionalmente, estes dados reforçaram a importância da escolaridade dos pais no rendimento dos filhos. Quando se comparam indivíduos com o mesmo nível educacional, verifica-se que o rendimento é superior para aqueles com pais mais escolarizados.

Nesse contexto, a progressiva conscientização de que uma parte do status social depende de fatores externos poderá aumentar o sentimento de exclusão e se tornará um combustível adicional para um futuro que possui o potencial de ser marcado por muita agitação social.

É relevante salientar que a origem social não é o único fator externo que afeta a chance de se tornar bem-sucedido. O gênero e a raça também constituem outras influências importantes. Isso, porque o pertencimento a determinados grupos gera uma série de benefícios ou custos ao longo da vida.

Por sua vez, isso resulta em um curioso padrão quando olhamos, por exemplo, para as funções de lideranças nas empresas, para os docentes nas universidades e para os governantes.

E, deste padrão, vem a irônica questão: será que os únicos que se esforçam são os homens brancos?

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