Um crítico no front

Tão logo meu exemplar de “Estética e raça: ensaios sobre a literatura negra”, de Luiz Maurício Azevedo chegou da editora Sulina, reli “O homem mais azul” e “Tenório e o anúncio da guerra”.

No primeiro ensaio, meu livro “O homem azul do deserto” foi analisado com acuidade, rigor teórico e vigor de linguagem (sem a preguiça dos clichês que costumam me devotar), entretanto, penso que a incursão analítica de gênero feita em “Como se mata uma ilha”, de Priscila Pasko, mereceu mergulho mais fundo e impressões mais consistentes do que a abordagem ao meu texto. Contudo, talvez minha crônica não apresente tantos elementos literários quanto o crítico exigente busque. Ainda perguntarei a ele.

No segundo texto, lido sem observar o ordenamento do autor à obra, o filho de Xangô (assim o leio) se revelou em seu esplendor: “Há alguns anos, quando apontei Jeferson Tenório como acontecimento literário mais relevante da literatura contemporânea, fruto de uma estética negra caudalosa que reunia materialidade e perspectiva subjetiva, recebi um feedback bastante negativo de meus pares (…) Em 2015, cravei que Jeferson Tenório (…) se tornaria alvo – a palavra é alvo e não objeto – de uma grande estratégia de marketing com vistas ao controle da recepção de sua obra (…) É exatamente o que acontece agora, em 2020. Não sou um homem rancoroso. Aceitarei, portanto, todos os pedidos de desculpas de meus pares. Façam duas filas aqui no centro. Organizando direitinho, dá para receber o desagravo de todo mundo”.

Temos mais 15 ensaios disruptores, humor e ironia refinados, sem poesia, também sem afagos que a poesia pode ser dura. “Eu não sou poeta, D. Cidinha, sou crítico”, Luiz Maurício me diria. É que eu busco a poesia em toda escrita, ele sabe. Este crítico, além de não ser dado à poesia e ao pacto elogioso dos contentes, tem poucas preocupações com o leitor médio, ele escreve para os críticos e para a universidade, dialoga com os pares, impõe-se pelo rigor técnico, pela honestidade intelectual, pelo desprezo aos conchavos, pelo entusiasmo do pensamento crítico, em fim de contas.

LUIZ MAURICIO AZEVEDO/ Arquivo Pessoal

Luiz Maurício Azevedo, eu vou reler, muitas vezes, também para escrever sobre sua crítica.

 

+ sobre o tema

Aquilombamento: conexões de afeto e ancestralidade

“Existiu um eldorado negro no Brasil. Existiu como um...

Casa onde viveu Lélia Gonzalez recebe placa em sua homenagem

Neste sábado (30), a prefeitura do Rio de Janeiro...

para lembrar

A bronca que Machado tinha de Eça

A bronca que Machado tinha de Eça. Numa crítica e...

Livro reúne poemas eróticos escritos por e para freiras nos séculos 17 e 18

Novo lançamento da L&PM, "Que Seja em Segredo" reúne...

Aparição distorcida do negro na literatura reforça preconceito

Os escritores Nei Lopes, Conceição Evaristo, Paulo Lins e...

António Jacinto

António Jacinto(Golungo Alto,28 de Setembro de 1924 -...
spot_imgspot_img

Conceição Evaristo, a intelectual do ano

Quando Conceição Evaristo me vem à memória fico feliz, não importa a situação. Aliás, justamente em horas em que estou estressada a visita dessa...

Conceição Evaristo vence Troféu Juca Pato de Intelectual do Ano

Pela primeira vez, o Troféu Juca Pato de Intelectual do Ano, concedido pela União Brasileira dos Escritores, vai para uma mulher negra. Em sua...

Baixada Fluminense abre neste mês 1º Festival Literário e Cultural

Com entrada franqueada ao público, o 1°  (Flic) será aberto na próxima semana no Parque Natural Municipal do Gericinó, em Nilópolis. O objetivo é...
-+=