Christian Dunker: ‘Não’ de Simone Biles é um dos grandes legados olímpicos

Enviado por / FontePor Clara Assunção, da RBA

“A gente viu uma certa analogia no mundo do esporte, que aparece como grande metáfora do mundo da produção, da competição e das métricas”, avalia Dunker

Uma semana após o fim das Olimpíadas de Tóquio, a decisão da ginasta estadunidense Simone Biles de abdicar da participação em algumas provas para as quais estava classificada em nome de sua saúde mental segue questionando paradigmas sobre o bem-estar psíquico não apenas dos atletas, cz população no geral. No Brasil, a questão ganha ainda mais urgência em um momento no qual as pessoas se sentem pressionadas a buscar sua sobrevivência em um cenário adverso de crise sanitária e econômica. A reflexão é do psicanalista e professor da Universidade de São Paulo (USP), Christian Dunker. 

Em entrevista ao jornalista Glauco Faria, do Jornal Brasil Atual, o psicanalista observou que a coragem no ato de Biles de dizer “não” será um dos grandes legados olímpicos.

“A gente viu uma certa analogia no mundo do esporte, que aparece como grande metáfora do mundo da produção, da competição e das métricas”, comenta Dunker. “E uma mulher e negra tem contra si adversidades ainda maiores e isso (decisão de Simone Biles) foi muito legal, fez parte dessa trajetória. Precisamos considerar sempre esse ‘a mais’ quando levamos em conta o recorte de classe e de raça.”

Simone Biles e as Olimpíadas como palco de temas sociais

Antes de Biles, uma das melhores tenistas do mundo, a japonesa Naomi Osaka, também havia aberto mão de disputar o importante torneio Roland Garros, na França, para preservar seu bem estar. Filha de pai haitiano e mãe nipônica, o ato de coragem da tenista também foi fundamental para que temas sociais ganhassem palco nas Olimpíadas. O protagonismo no debate sobre saúde mental ainda ganhou espaço com a medalhista de prata no arremesso de peso feminino dos Estados Unidos, Raven Saunders. 

Mulher negra e lésbica, ela perdeu uma tia durante a disputa olímpica, e protestou. “Grito para todos os meus negros, para toda a minha comunidade LGBTQ e para todo o meu povo que lida com saúde mental”, disse a esportista de 25 anos.

Dunker destaca que há uma força das atletas em colocar o debate sobre saúde mental porque, ao contrário de uma dificuldade física, que em geral fica exposta, “não estamos vendo a fratura mental. E a nossa tendência é moralizar a situação. ‘Ela foi fraca, abandonou o time, faltou fé, cadê o pensamento positivo’, esse tipo de bobagem”, contesta.

No caso de Simone Biles, o psicanalista lembra que ela foi uma das vítimas de Larry Nassar, ex-médico da seleção de ginástica artística dos EUA, condenado por uma série de abusos sexuais contra pelos menos 150 atletas. Biles, considerada a maior da história da modalidade olímpica, é única que ainda compete. 

Buscar satisfação

“O que ela faz é lutar consigo. Mas também entende que representa uma trajetória. E é isso que ela traz para todos nós ao dizer que tem uma questão de saúde mental. Não precisa entrar em detalhes, contar toda essa história. É óbvio que está sendo posto ali que precisamos mudar o sistema, a maneira como se produzem esses heróis olímpicos”, pontua Dunker.

Ainda no campo da preservação da saúde psíquica, o psicanalista ressalta a importância das “pequenas alegrias” e da busca por satisfação em meio à situação de pandemia. As Olimpíadas nesse sentido, afirma, cumpriram um papel não apenas de mera distração, mas de alento.

“Passamos tanto tempo fugindo do desprazer que é possível que tenhamos desaprendido a fluir da satisfação. E essas Olimpíadas trouxeram muitos momentos de satisfação que puderam recompor alguns traços do espírito nacional. Torcemos para o vôlei, para o Isaquias (Queiroz), para a Rebeca (Andrade), que representam trajetórias de pessoas oprimidas, que enfrentaram muitas dificuldades para conseguir aquele grande triunfo e funcionam como sinal de esperança. Um sinal de alento para tantos brasileiros. Penso que essa ideia de ‘que não devo ficar feliz, me permitir uma satisfação porque outros estão numa situação muito difícil não é uma ideia muito transformadora. Como não é muito transformador o afeto da culpa”, conclui Christian Dunker. 

Confira a entrevista 

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