Cai investimento federal em ações para indígenas, quilombolas e igualdade racial

Estudo aponta que, além de escassos, recursos para esses grupos não são utilizados na totalidade

Em 2021, o governo Bolsonaro investiu menos em ações diretas para o fortalecimento das populações indígenas e quilombolas, além de diminuir o orçamento para a promoção da igualdade racial, aponta o Balanço do Orçamento Geral da União 2021 realizado pelo Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos).

O estudo mostra que, em 2021, foram autorizados R$ 746,34 milhões para o orçamento da Funai (Fundação Nacional do Índio), mas apenas R$ 139,80 milhões foram destinados para ações finalísticas do órgão, ou seja, aquelas cujos impactos são sentidos diretamente pelas comunidades indígenas, como a proteção e promoção dos direitos dos povos indígenas, gestão ambiental e territorial, incentivo à sustentabilidade das comunidades de acordo com seus modos de vida, ações de caráter de assistencial, como distribuição de cestas básicas, incentivo à participação nas políticas públicas, entre outros.

Entre 2019 e 2020, os recursos para essas finalidades caíram cerca de R$ 36 milhões e, entre 2020 e 2021, aumentaram cerca de R$ 30 milhões, sendo este aumento em parte explicado pelo montante direcionado ao enfrentamento da Covid-19 entre comunidades indígenas.

O estudo aponta também que 70% dos recursos de 2021 do órgão foram utilizados para pagamento de pessoal e encargos sociais, seguindo um padrão de anos anteriores. “Embora essa despesa chame a atenção, isso não implica dizer que se gasta muito com os servidores da Funai. O recurso é pouco para dar conta de uma estrutura enxuta de funcionamento e ainda realizar as políticas finalísticas. O quadro de funcionários segue defasado, sem realização de concursos”, diz Leila Saraiva, assessora política do Inesc.

Saraiva ainda afirma que os poucos recursos que deveriam beneficiar as comunidades indígenas acabam atendendo a interesses dos não indígenas. “Recursos gastos na ação orçamentária destinada a proteger e demarcar os territórios indígenas foram destinados a indenizações e aquisições de imóvel”, diz.

Procurada pela reportagem, a Funai afirma desconhecer o estudo citado e que não comenta dados extraoficiais. O órgão diz ainda que “preza sempre pela racionalidade e transparência na aplicação de recursos públicos e que a execução de verba pública depende de atendimento a procedimentos fixados em lei. A fundação reforça que “em nenhum momento se eximiu de qualquer obrigação legal de proteção e promoção dos direitos dos indígenas, no âmbito de suas competências.”

A Funai diz que “a atual gestão tem trabalhado firmemente para resolver uma série de problemas, fruto de décadas de fracasso da política indigenista brasileira que, no passado, era guiada por interesses escusos, falta de transparência e forte presença de organizações não governamentais. Contrária a tudo isso, a Nova Funai tem sua atuação pautada na legalidade, segurança jurídica, pacificação de conflitos e promoção da autonomia dos indígenas, que devem ser, por excelência, os protagonistas da própria história”, afirma nota.

IGUALDADE RACIAL

Com relação à Promoção da Igualdade Racial, sob o guarda-chuva do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, o recurso autorizado para 2021 foi de apenas R$ 3 milhões para realizar diversas ações, como o fortalecimento institucional dos órgãos estaduais e municipais de enfrentamento ao racismo e promoção da igualdade racial –considerando que somente no Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial existem 20 estados e 71 municípios. “Apesar do valor extremamente baixo, o governo gastou apenas R$ 2 milhões, 66% do total, sendo metade de restos a pagar de anos anteriores”, diz o estudo do Inesc.

Em 2020, nenhum recurso foi autorizado para gasto. Segundo o levantamento, os R$ 370,9 mil gastos são de despesas comprometidas em anos anteriores.

QUILOMBOLAS

Quando analisado o orçamento 2021 para os quilombolas, o Inesc pondera que não é possível chegar a um total exato destinado a esse público, uma vez que as políticas e ações estão distribuídas em diferentes ministérios e nem todos apresentam o que foi encaminhado para esse público especificamente.

A Conaq (Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas) estima que existam 6 mil comunidades e 16 milhões de pessoas em quilombos no Brasil.

“Vale registrar que o último relatório disponível com o balanço das ações de regularização fundiária, no Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária], por exemplo, é de 2018, desatualização que prejudica bastante a transparência e o controle social”, diz Carmela Zigoni, assessora técnica do Inesc.

O estudo aponta que, em 2021, foram autorizados apenas R$ 340 mil para a ação de reconhecimento e indenização de territórios quilombolas, dos quais foram pagos R$ 164 mil, além de restos a pagar de anos anteriores no valor de R$ 792,4 mil, somando uma execução financeira de R$ 956,3 mil.

Para o saneamento básico em comunidades quilombolas, dos R$ 281,3 milhões autorizados para a ação implantação, ampliação ou melhoria de ações e serviços sustentáveis de saneamento básico em pequenas comunidades rurais ou em remanescentes de quilombos, apenas R$ 29,5 milhões foram executados, isto é, 10% do total. Contudo, foram gastos R$ 112,8 milhões empenhados em anos anteriores, que correspondem a pagamentos de serviços de infraestrutura entregues às comunidades. No total, R$ 142,4 milhões foram gastos com a política em 2021.

O Incra informa que os dados gerais sobre a relação de processos abertos e o acompanhamento dos processos de regularização foram atualizados em seu portal no último dia 25 de março e podem ser consultados em https://www.gov.br/incra/pt-br/assuntos/governanca-fundiaria/quilombolas.

Até a conclusão desta edição, o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos e a Funasa (Fundação Nacional da Saúde) não tinham se manifestado.

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