Luana Tolentino: Caso de Domingas ilustra bem a oposição às cotas

Domingas Mendes teve seu ingresso negada pela UFRGS, mas Justiça determinou matrícula imediata

por Luana Tolentino, especial para o Viomundo

Na semana passada, a Justiça Federal determinou a matrícula imediata de Domingas Mendes, 27 anos, estudante de Guiné-Bissau aprovada no vestibular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul pelo sistema de cotas.

Domingas teve seu ingresso negado no curso de Serviço Social da UFRGS, sob a alegação de que não havia concluído os estudos em uma escola pública brasileira. Segundo Roger Raupp Rios, juiz responsável pelo caso, a legislação nacional não exclui candidatos estrangeiros, nem diferencia o local de origem do estabelecimento escolar onde foi cursado o ensino médio ou equivalente.

O episódio envolvendo a aluna africana é apenas mais um exemplo da oposição que as ações afirmativas enfrentam no país.  Como vem alertando o antropólogo Kabengele Munanga, toda e qualquer iniciativa em benefício da população negra encontrará resistência no Brasil.

Doze anos após o estabelecimento do sistema de reserva de vagas na UERJ e quase três da aprovação da Lei de Cotas pelo Supremo Tribunal Federal, a medida é alvo de preconceitos e falácias, expondo o caráter racista da nossa sociedade.

São inúmeros os argumentos utilizados pelos contrários às cotas. Alegam que a política pública fere o princípio de igualdade da Constituição, vociferam que elas fomentarão o racismo (como se ele já não existisse por aqui!) e são prejudiciais aos negros. A verdade é que os anticotas apresentam características em comum, entre as quais estas 12:

1. Defendem a perpetuação de uma sociedade calcada em privilégios para uma minoria, em detrimento da exclusão e exploração da grande maioria.

2. Enxergam com naturalidade as disparidades socioeconômicas existentes entre brancos e negros no Brasil.

3. São discípulos de Nina Rodrigues, Demétrio Magnoli e Ali Kamel.

4. Acreditam no mito da democracia racial.

5. Entendem como obra do acaso ou da vontade divina o fato de mulheres e homens negros raramente fazerem parte do corpo discente de cursos como medicina, odontologia e arquitetura.

6. Acham irrelevante o fato da Lei de Cotas ter sido aprovada por unanimidade pelo Supremo Tribunal Federal (10 x 0!).

7. Não sabem que países como Estados Unidos e o Canadá também adotam o sistema de reservas de vagas.

8. Afirmam que os cotistas “roubam” suas vagas, como se fossem donos das universidades públicas.

9. Desconhecem que nos cursos de graduação, os alunos beneficiados pelas cotas, apresentam notas iguais ou superiores as dos não-cotistas.

10. Adoram dizer que ao invés de “dar” cotas/esmolas/migalhas, o governo deveria investir no ensino público, mesmo sabendo que isso levará pelo menos meio século para acontecer.

11. Geralmente estudaram em escolas particulares, cujas mensalidades ultrapassam R$ 2.000,00.

12. Amam perdidamente a palavra meritocracia.

Adendo 1: Ao ler esse texto, dirão que eu não passo de uma ressentida que vê racismo em tudo.

Adendo 2: Beijinho no ombro pra vocês.

Luana Tolentino é professora e historiadora. É ativista dos movimentos Negro e Feminista. 

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