Comunidades reagem e convocam protesto para 26 de maio; somente este ano já foram cerca de 450 mortes, recorde desde que os dados começaram a ser contados, em 1998
O governador que sobrevoa comunidades acompanhado de policiais atiradores, sem saber quem irão atingir, deve estar comemorando um recorde. Segundo o Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro (ISP-RJ), entre os meses de janeiro e março deste ano, sob o governo Wilson Witzel (PSC), as polícias militar e civil daquele estado já mataram 434 pessoas. Isso significa a média de quase cinco (4,82) mortos por dia, o maior número para o período desde que a série estatística começou a ser feita, em 1998. O aumento foi de 18% sobre o primeiro trimestre de 2018, quando houve 368 mortos.
Os números só crescem. Em quatro dias do início de maio, entre a sexta-feira (3) e a segunda-feira (6), a ação policial matou pelo menos outras 13 pessoas: quatro no morro do Borel (zona norte), uma na Rocinha (zona sul) e oito nas favelas do Complexo da Maré (zona norte).
Os moradores das comunidades cariocas estão desesperados e prometem reagir. Um grande ato está sendo convocado para o posto 8, em Ipanema, no domingo, 26 de maio, a partir das 10h.
Sob o mote “Parem De Nos Matar!”, os moradores das favelas do Rio de Janeiro exigem o fim das políticas de ocupações e intervenções policiais e militares nas áreas residenciais. “Formaremos um cordão humano desde o posto 12 até o Arpoador. Cidadãos de todas as idades e de todos os bairros e favelas da cidade darão as mãos e formarão uma corrente de protesto, exigindo segurança e a garantia da integridade das suas vidas”, informa a organização, pelas redes sociais.
“Na segunda-feira de Páscoa, o gari comunitário William Mendonça dos Santos, conhecido como Nera, foi assassinado com dois tiros na favela do Vidigal, zona sul, pela polícia militar. Dias antes, o músico Evaldo Rosa dos Santos e o catador de papel Luciano Macedo foram executados pelo exército com 80 tiros na Estrada do Cambotá em Guadalupe, zona oeste. E o estudante Lucas Brás de 17 anos, foi abatido com um tiro nas costas no Parque Royal, zona norte”, elenca o comunicado.
“William, Evaldo, Luciano e Lucas, todos negros. Todos assassinados pelo Estado do seu país. Dezenas de tiros saídos das armas daqueles cujo juramento e dever é proteger e servir os cidadãos brasileiros. Polícia e exército existem para garantir a segurança e a integridade física dos cidadãos, nunca para os matar.”
Na terça-feira (14), mais uma morte. O professor de jiu-jitsu Jean Rodrigo Aldrovande, de 39 anos, foi baleado baleado no Complexo do Alemão, zona norte do Rio. Um dos seus quatro filhos presenciou a morte.
Visto como referência na comunidade, Jean dava aulas em um projeto social local. Seu objetivo era tirar jovens carentes da criminalidade por meio do esporte. Segundo familiares, policiais entraram atirando pela rua e uma bala o atingiu na cabeça. Um outro rapaz foi atingido e levado ao Hospital Estadual Getúlio Vargas.
Os organizadores do protesto, lembram ainda que policiais e soldados, na sua maioria cidadãos pretos e pobres recebem ordens e licença para matar outros cidadãos pretos e pobres. E morrem também. Somente este ano, até 9 de maio, segundo a Polícia Militar do Rio, 18 policiais da corporação haviam sido mortos: 3 em serviço, 11 de folga e 4 reformados.
Mirar na cabecinha, diz Witzel
Witzel faz questão de declarar que sua política de segurança é de confronto com os suspeitos. “A polícia vai mirar na cabecinha e… fogo” anunciou o governador do estado, pouco depois de sua posse, incitando ao massacre da população das favelas, lembra o comunicado assinado por associações de moradores das comunidades cariocas e dezenas de entidades defensoras dos direitos de cidadania.
“Moradores da Maré denunciaram que a operação na comunidade, auge da ofensiva policial nos primeiros dias de maio, incluiu disparos feitos a partir do helicóptero que sobrevoou o complexo. Imagens de estudantes uniformizados correndo pelas ruas das favelas para se proteger dos tiros circularam nas redes sociais. Houve também reclamações contra tiros feitos a partir da aeronave que atingiram telhados de casas na região.”
Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, a antropóloga e cientista política Jacqueline Muniz afirma que o envolvimento de Witzel em ações policiais é ilegal. “Ele dispõe de poder político-administrativo, não de poder de polícia. Ele tem de determinar a política de segurança, as estratégias, as prioridades. Toda brincadeira que ele faz como policial esbarra na ilegalidade e no abuso de poder.”
O governo do Rio de Janeiro informou, em nota, que sua política de segurança é baseada em inteligência, investigação e aparelhamento das Polícias Civil e Militar. “O Comando de Operações Especiais (COE) da Polícia Militar trabalha com atiradores de elite há vários anos… Todas as operações, com a participação de atiradores de alta precisão ou não, são precedidas de planejamento técnico e seguem protocolos previstos em lei.” A nota informa, ainda, que há exigência de instauração de procedimento apuratório quando as ações resultam em mortes.