A carne mais barata do mercado continua sendo a carne negra…

De que vale a luta? De que vale a consciência racial em um país tão racista como o Brasil?

São nesses momentos – como o agora vivenciado – onde minha cabeça se desconecta instantaneamente do resto do mundo, a boca seca, o sentimento de invalidez toma conta de todo meu ser, nunca pensei que sentiria isso com tanta frequência.

A notícia da morte do congolês Moise Kabamgabe me atingiu em um dos lugares mais profundos de minha alma, os questionamentos vêm à tona e me questiono incessantemente sobre a inexistência de possibilidade de integração que a população negra possui na sociedade, será possível?

O congolês esperava conseguir se abrigar no Brasil, nosso país, ó Brasil fraternal, estava fugindo de sua realidade dura e perversa, veio com sua família do congo para cá após momentos tristes experienciados em uma situação extrema de guerra em seu país natal.

Nós não imaginamos o que é viver em uma situação como essas, muitas vezes nem sequer experienciaremos isso um dia, é absurdo? Sim. Mas, mais absurdo ainda PARA MIM, é perceber que para essas pessoas a possibilidade de existência lhes foi negada desde seu nascimento. Moise não conseguia existir no Congo, resistia… Moise tentou resistir no Brasil e agora? Não existe mais.

Ó Brasil, país com herança escravocrata que nunca deu direito de liberdade ao povo preto.

Ó Brasil país com herança escravocrata que nunca escondeu o seu desprezo pela vida do povo preto.

Ó Brasil país com herança escravocrata que aos imigrantes europeus ofereceram, terra, trabalho e moradia.

Ó Brasil país com herança escravocrata que aos imigrantes africanos destinam a mesma desumanização e violência africana aos africanos sequestrados e escravizados nesse solo por tantos anos.

Qual o valor de uma vida negra?

Moise estava empregado em um quiosque na praia da Barra no Rio de Janeiro, trabalhava durante muitas horas e recebia pouco, situação essa vivenciada por milhares de pessoas nesse país, e principalmente ao povo negro, povo esse que por conta do racismo estrutural está sujeito aos subempregos, povo esse que trabalha por jornadas exaustivas porque no final do dia precisa alimentar sua família.

Moise foi espancada até a morte pura e simplesmente porque cobrou o pagamento de duas diárias que não havia recebido, dinheiro esse que era fruto de seu trabalho, trabalho esse mal remunerado e realizado em más condições, mas que era feito porque era a única opção para ele naquele momento.

Moise deixa sua família, amigos, e principalmente sua mãe, e não há nada no mundo que recupere a perda de um filho.

Hoje uma mãe preta chora pela perda de seu filho.

Amanhã outras, milhares de mães chorarão também.

Qual o valor da sua vida? Quanto vale o sonho de um jovem negro congolês de 24 anos?

Bom, duas diárias… Eu acho.

** ESTE ARTIGO É DE AUTORIA DE COLABORADORES OU ARTICULISTAS DO PORTAL GELEDÉS E NÃO REPRESENTA IDEIAS OU OPINIÕES DO VEÍCULO. PORTAL GELEDÉS OFERECE ESPAÇO PARA VOZES DIVERSAS DA ESFERA PÚBLICA, GARANTINDO ASSIM A PLURALIDADE DO DEBATE NA SOCIEDADE.

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