A COP29 fracassou no país com a paisagem de poços de petróleo

Ufa! Agora posso dizer que tive a sensação de que não íamos avançar no Azerbaijão. Talvez essa percepção tenha me atravessado de forma objetiva já no primeiro dia, ao sair do hotel e cruzar um mar de poços de petróleo em pleno funcionamento.

Você sabia que pode haver um poço em operação no seu quintal se morar em Baku? Estranhíssima a paisagem que víamos todos os dias pela janela do ônibus até o espaço onde aconteciam as negociações da 29ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas. Tubulações enormes pelas calçadas, um horizonte dominado por máquinas perfurando e sugando o líquido que o presidente do Azerbaijão, Ilham Aliyev, chamou de “presente de Deus” em seu discurso de abertura da COP29.

Aquilo não ia dar certo. Mesmo assim, ficamos lá, pela importância política da pressão da sociedade civil em espaços como aquele. Com alimentação superfaturada — e ruim —, perambulamos pelos corredores entre frio e calor. Tudo estranho: reuniões constantemente marcadas e desmarcadas, confirmadas na noite anterior e, ao chegar, observadores em filas que eram desfeitas sem explicação, agendas desaparecendo das telas espalhadas pelo evento. Não vai ter negociação?

Negociadores perdidos, sem saber o que estava acontecendo. Questionados pela sociedade civil, alguns admitiam: “Nunca vivenciamos isso, não sabemos o que está acontecendo. Nunca trabalhamos com negociação sem negociação”. Tudo o que foi acordado em Bonn, na conferência preparatória, foi apagado do drive do Azerbaijão. Novos documentos surgiram, com textos confusos, vazios, irresponsáveis, descartando qualquer linguagem sobre direitos humanos.

“Vocês precisam entender que direitos humanos não são consenso. Afrodescendentes não é consenso e gênero só às vezes”. Essa era a frase dos diplomatas nos corredores — difíceis de percorrer, aliás, devido às infinitas reuniões fechadas das quais a sociedade civil era excluída.

Eu sabia que isso não ia dar certo.

Enquanto isso, bairros, cidades e países enfrentam condições climáticas cada vez mais extremas, deixando claro que o progresso é insuficiente para evitar a crise. Negociações, joguetes políticos ridículos e o desfile de cardápios impregnados de petróleo não acompanham o ritmo do colapso climático.

Este ano caminha para ser o mais quente já registrado, com impactos aumentando mais rápido do que o esperado. Inundações mataram milhares na África, deslizamentos enterraram cidades inteiras. Secas na América do Sul encolheram rios vitais para transporte e alimentação. Inundações causaram centenas de mortes e bilhões em prejuízos econômicos. Já que o orçamento é apertado, vamos falar dele?

Me intrigou a alegria no rosto de Simon Stiell, chefe do órgão climático da ONU. Era cansaço? Alívio por não precisar mais pagar cafés caríssimos? Ou ele realmente estava satisfeito com um financiamento que não chega nem perto do necessário para enfrentar uma crise que está matando pessoas?

Perdemos todos. E, na esteira dos eventos climáticos, perdem mais os pobres, as mulheres, as crianças, os povos indígenas, quilombolas, a população negra e periférica do mundo todo. Alguns já estão perdendo a vida cotidianamente, como lembram líderes mundiais em discursos emocionantes na COP29. Pessoas e biodiversidade morrem, mas o que importa é atrasar e evitar pagar a conta.

Recomendo a leitura das avaliações do Observatório do ClimaGeledés – Instituto da Mulher Negra e do Laclima. Especialmente sobre dinheiro, afrodescendentes e direitos humanos.

Tivemos uma presidência da COP29 altamente conservadora — combinando com o dress code da festa que organizaram. O que mais esperar de um país sem democracia?

Será que o Brasil está preparado para presidir a COP30? Um país que cogita abrir um poço de petróleo na Amazônia? Com ministros negacionistas que também veem o petróleo como bênção?

A COP30 não resolverá nossos problemas internos e externos, mas vai expor nossas contradições — e que bom. Resolver problemas em casa? Concordo. Mas não adianta prometer internacionalmente enquanto o governo adora combustíveis fósseis. Não dá para se achar ambicioso sem demarcar territórios quilombolas e titular territórios indígenas. Não temos clareza no Plano Clima – Adaptação e a participação social é um buraco malfeito.

Infelizmente, preciso dizer: não vai dar para descansar. Resta saber como o Brasil fará para não deixar ninguém para trás.


Mariana Belmont – Jornalista e assessora de Clima e Racismo Ambiental de Geledés – Instituto da Mulher Negra, faz parte do conselho da Nuestra América Verde e da Rede por Adaptação Antirracista. E organizadora do livro “Racismo Ambiental e Emergências Climáticas no Brasil” (Oralituras, 2023).

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