“A Estranhamente”: da depressão à uma das pessoas mais influentes na escrita no LinkedIn Brasil

Conheça a história de Maria Vitória, escritora, negra e lésbica que empreendeu através da escrita e prepara lançamento de e-book sobre como construir um legado através das palavras

Mulher negra, lésbica e escritora. Assim pode ser descrita a jovem Maria Vitória Francisca, de 31 anos. Mas não só. Através da plataforma “A Estranhamente”, que criou há cinco anos para oferecer cursos e mentorias para quem quer viver de escrita,  ela anuncia o lançamento do livro Guia de Carreira para Profissionais da Escrita, em formato e-book, ainda para este semestre. 

Além disso, Maria Vitória também acaba de ser selecionada para  integrar o Programa de Aceleração de Creators do LinkedIn no Brasil, compondo uma curadoria de apenas 100 pessoas entre as mais de 50 milhões que são usuárias da rede. Assim, ela é a primeira negra, lésbica e escritora brasileira a se tornar uma das pessoas mais influentes no LinkedIn Brasil.

“Não é de hoje eu abordo em meus posts sobre a importância de ser uma escritora que está no LinkedIn. Por lá o texto é rei e é muito mais fácil atrair leitores, gerar oportunidades de trabalho e obter networking. Ter acreditado em mim enquanto escritora e ter apostado nos meus textões deram muito certo. Ano passado veio o título de #LinkedInCreator e agora a chance de potencializar ainda mais meus conteúdos sobre: Viver de Escrita, através do Programa de Aceleração de Creators. Fazer parte de uma lista tão importante como essa e ser reconhecida como uma das criadoras de conteúdo mais relevantes da plataforma só mostra que é possível sim ser escritora nesse país e que mulheres negras que escrevem, assim como eu, podem conquistar tudo o que desejam. Nunca é só um texto, é tudo sobre construir um legado através das palavras”, comenta. 

Mesmo formada em Serviço Social e especializada em álcool e drogas, foi na escrita que Maria Vitória viu a chance de construir esse legado a partir das palavras, sobretudo por vir de uma família a quem estas sempre foram negadas. Maria Vitória é filha de mãe solo e tem avós  e bisavós que foram escravizadas em São Sebastião do Paraíso (MG).

Paulistana que sempre viveu no bairro do Rio Pequeno,  ela conta que a mãe se mudou de Minas Gerais para São Paulo aos 8 anos de idade para servir às famílias brancas e ricas e sempre trabalhou como cozinheira. Sem conhecer o pai e morando em uma casa sempre cheia e movimentada, Maria Vitória ganhou o rótulo de ‘estranha’ e ‘esquisita’ por ser uma criança calada e solitária, além de gostar de se vestir de forma diferente das demais. 

Ela foi a primeira – e única – mulher da família que não se tornou empregada doméstica ou cozinheira. A única que fez faculdade. A primeira a ganhar mais dinheiro mensalmente do que mais da metade das mulheres da família toda juntas. 

Um longo caminho até chegar à escrita

Mas, até chegar aí, um longo caminho: na adolescência, em meio ao rock e à escrita carregada de ódio, é que veio o nome do projeto que hoje é não só o ganha-pão da escritora, mas também fonte de inspiração para muitas outras pessoas que procuram Maria Vitória para entender como devem viver de escrita. 

O atravessamento da vida pelo racismo e solidão levaram Maria Vitória a alguns caminhos obscuros e de tentativas mal sucedidas de autoextermínio a colocaram no caminho da leitura e da escrita, que lhe devolveram a vontade de viver e reescrever a própria história.

Maria Vitória Francisca (Foto: Divulgação)

Foi aí que ela decidiu não trabalhar para outras pessoas e criou o blog “A Estranhamente”, onde escreve diariamente “como se fosse uma prece”, define. 

É no blog, a partir do que escreve, que Maria Vitória aceitou ser uma mulher negra e lésbica. E mais do que isso: que nasceu para ser uma escritora. “Aceitei que a solidão e o buraco negro em meu peito sempre farão parte da minha existência… Mas principalmente, aceitei que ‘ser estranha’ era quem eu era e fiz disso minha força motriz para continuar vivendo e escrevendo”, descreve.

Ainda sim, ela demorou para se dar conta de que a escrita poderia ser uma profissão. “Nunca ninguém me disse que ser escritora era possível. Só passei a trabalhar com a escrita quando entendi que as minhas poesias e crônicas jamais iriam me trazer dinheiro e reconhecimento, então fui buscar outros caminhos em que essas duas coisas pudessem ser viáveis”. 

O empreendedorismo

Só a escrita não foi suficiente para Maria Vitória. Ela quis – e precisou – empreender. Por isso, desde a faculdade de Serviço Social passou a pegar freelas como redatora e copywriter até que entendeu que eram esses ‘bicos’ que estavam pagando suas contas. “Eu estava empreendendo de forma freelancer na escrita”. 

Foi no final da faculdade que conseguiu um emprego como redatora numa empresa de incensos artesanais e entendeu que era possível não só viver da escrita, mas empreender na área. 

Após a publicação de um texto em uma antologia, começou a estudar marketing e formas de divulgação de texto. Hoje, é ela quem ensina como fazer isso. 

“Passei então a compartilhar tudo o que eu pratiquei e deu certo na divulgação dos meus textos e desde então o senso de escrever para ajudar a quem também escreve e que deseja ser lida e reconhecida pelas suas palavras se instaurou e não me abandonou mais”, conta. 

De todos os processos criativos que vivencia na própria empresa, “A Estranhamente”, o de “ouvir histórias” e empoderar os sonhos das pessoas a viverem da sua própria escrita é o que mais agrada Maria Vitória. 

“Muito do meu trabalho atualmente é de ouvir a trajetória profissional das escritoras, prestar atenção nos seus sonhos e nas tentativas de torná-los realidade e mostrar a elas os caminhos possíveis para realizá-los. Seja tentando viverem da sua literatura, seja do desejo de terem liberdade financeira, geográfica e criativa para viverem plenamente da sua escrita”.

Nestes cinco anos do blog e também da plataforma que oferece cursos e mentorias, ela destaca a evolução como a criação deste espaço, a formação de carreiras, a menção em diferentes veículos de imprensa e, sobretudo, as mais de 10 fontes de renda atreladas à escrita, todas provenientes da “A Estranhamente”, que hoje é um CNPJ e tem mais gente trabalhando. 

Isso não é tudo. A partir do blog, Maria Vitória foi a única escritora, negra e lésbica brasileira a se tornar uma das pessoas mais influentes no LinkedIn Brasil, tendo um perfil diferenciado e único, com conteúdos educativos sobre escrita para além da literatura. Além disso, já foi editora de projetos do maior portal de poesia contemporânea do país, o Fazia Poesia  e foi também editora da revista New Order no Medium Brasil, uma das primeiras a publicar sobre sociedade e sexualidade na plataforma. 

Maria Vitória foi também a primeira mulher negra a fazer parte de uma Startup brasileira no ramo de Criptoarte e ocupa também um cargo de liderança na empresa Anota AI. 

E ela faz tudo isso para que possa, fora do horário comercial, observar a humanidade, jogar videogame, fotografar, conversar com pessoas em situação de vulnerabilidade, tomar cerveja em boteco, viajar, andar pelo centro de São Paulo e discutir sobre a origem da vida e do universo. Essas coisas simples, mas que ela adora fazer quando não está transformando os sonhos de outras pessoas em realidade. 

Serviço – A plataforma “A Estranhamente” pode ser acessada pelo link https://aestranhamente.com/

** ESTE ARTIGO É DE AUTORIA DE COLABORADORES OU ARTICULISTAS DO PORTAL GELEDÉS E NÃO REPRESENTA IDEIAS OU OPINIÕES DO VEÍCULO. PORTAL GELEDÉS OFERECE ESPAÇO PARA VOZES DIVERSAS DA ESFERA PÚBLICA, GARANTINDO ASSIM A PLURALIDADE DO DEBATE NA SOCIEDADE.

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