A força política de um turbilhão chamado internet

– Na semana passada, a Petrobrás passou a publicar, em um blog na internet, a correspondência entre o setor de comunicação da empresa e jornalistas. Por ter tornado públicas investigações da imprensa ainda em curso, a mudança de hábitos gerou polêmica e foi amplamente debatida nas páginas editoriais da imprensa e em blogs rede afora.

Por Pedro Dória, do Estadão 

BILL HINTON VIA GETTY IMAGES

Foi uma decisão intimamente ligada à CPI da Petrobrás. Assim, é o primeiro passo da campanha eleitoral de 2010 na rede. O TSE ainda não decidiu como regulamentar a internet na eleição. No passado, optou por um caminho conservador, limitando quanto pôde a relação direta entre candidatos e eleitores online. No restante do mundo, a internet já está mudando radicalmente a política.

A importância da rede foi nítida na campanha iraniana que terminou com a eleição de sexta-feira. Metade dos usuários da internet no Oriente Médio vem do país dos aiatolás. Um terço da população iraniana está online. Um estudo do Centro Berkman para a Internet e a Sociedade, da Universidade Harvard, levantou 400 mil blogs em língua persa debatendo política.

Como lá a conversa eleitoral encontra razoável liberdade online, analistas puderam analisar a eleição sem pesquisas. Dados do Google, por exemplo, revelaram que nas regiões mais urbanas de Teerã e Shiraz usuários tendiam a buscar mais pelo nome do candidato da oposição, Mir Hussein Mousavi, do que pelo do atual presidente, Mahmoud Ahmadinejad. Na área rural do país, a situação se invertia.

A guerra Irã-Iraque matou 1 milhão de iranianos, principalmente homens adultos jovens de uma mesma geração. A consequência foi um país que, hoje, é principalmente ainda jovem. Na ditadura, em que jornais independentes logo se veem obrigados a fechar as portas, é em blogs que os iranianos se informam. A rede ficou tão importante na conversa política que o aiatolá Ali Khamenei e o presidente Ahmadinejad têm blogs, assim como Mousavi tem página no Facebook.

O Facebook, um equivalente mais sofisticado do Orkut que começa a ganhar popularidade mundial, vem sendo usado pela oposição a ditaduras não apenas no Irã. Em 2008, o braço moderado da Irmandade Muçulmana, grupo considerado ilegal pela ditadura de Hosni Mubarak, criou uma comunidade para mobilizar o público em passeatas. O resultado foi possibilitar o encontro de sindicalistas com a classe média urbana insatisfeita. Não à toa, a jovem estudante que criou a comunidade foi presa.

Há sempre que tomar cuidado quando o assunto é a Irmandade Muçulmana. É verdade que o grupo de militantes religiosos representa uma oposição cada vez mais moderada tanto à ditadura de Mubarak quanto à de Bashar Assad, na Síria. Mas tem um passado radical, é inspiradora do Hamas, na Palestina, e foi nele que o médico Ayman al-Zawahiri, braço direito de Osama bin Laden, se formou. É justamente a Al-Qaeda, aliás, uma das entidades que melhor usa a internet politicamente.

Este é um alerta de Cass Sunstein, o intelectual da Universidade de Chicago que Barack Obama acaba de elevar a chefe do setor de regulamentação do governo americano. Antes de começar o trabalho de traçar a nova regulamentação do setor bancário, Sunstein lançou Going to Extremes, livro que analisa o processo pelo qual se dá a radicalização de grupos. A internet pode ser uma armadilha, na qual só se leem aqueles com quem se concorda. Uma máquina de polarização.

Isolado nas montanhas de fronteira entre Afeganistão e Paquistão, Osama bin Laden sabe disso. É por meio da internet, em fóruns e sites clandestinos, que manuais, intermináveis discursos gravados em vídeo e textos doutrinários os mais diversos são distribuídos. A rede não oferece apenas um local onde encontrar informação para jovens no processo de radicalização. Ela é também um ponto de encontro e conversas , onde os rapazes dividem suas dores, colaboram entre si ou procuram convencer o outro de suas razões.

Obama é ele próprio um mestre da nova mídia. O uso de novas mídias é uma tradição do Partido Democrata, nos EUA. Franklin Roosevelt foi o primeiro a dominar o rádio, John Kennedy o primeiro com a televisão. Durante a campanha eleitoral de 2008, Obama mostrou que uma das características da rede é permitir um tempo mais lento para absorção de informações. Paradoxalmente, a rede que ajuda a polarizar também colabora para aprofundar a conversa política. Se a TV exige falas que caibam em matérias de 20 segundos, na internet pessoas interessadas assistem a longos discursos que tratam com detalhes de certos temas. A geração MTV terminou nos anos 1990. Na rede, milhões de pessoas, cada uma a seu tempo via YouTube, são capazes de encarar atentas um único homem falando por uma hora.

Obama arriscou a fórmula quando fez um discurso sobre as relações raciais nos EUA, durante a campanha, e a empregou novamente perante o mundo muçulmano, no início do mês. Seu público alvo é o mesmo de Bin Laden: homens jovens muçulmanos que buscam seu espaço no mundo em busca de líderes inspiradores. É cedo, evidentemente, para saber se dará certo. Mas o que todos têm em comum no Egito ou no Irã, no Afeganistão ou nos EUA, é a compreensão de que, para atingir o público de 35 para baixo, a internet é o caminho.

Tentativas de impedir o acesso à rede por ditaduras não faltam. O Irã busca ser sutil. Nem todos são assim. No início de 2008, quando ainda era presidente, o general paquistanês Pervez Musharraf deu ordens para que a empresa de telecomunicações de seu país bloqueasse acesso ao YouTube. Os engenheiros foram tão desastrados que conseguiram derrubar o site para todos os cidadãos do mundo. O blecaute do site durou um dia inteiro.

Alguns são mais sofisticados e, entre estes, ninguém bate os chineses. Quando o massacre da Praça Tiananmen completou 20 anos, no último 4 de junho, o governo deu ordens de suspender acesso ao Twitter, ao YouTube e onde mais pudesse haver memoriais online. A China abre e fecha – quando tudo vai tranquilo, afrouxa o acesso, em momentos críticos, aperta. Sua Grande Muralha digital é reconhecida como um feito de engenharia que outros ditadores bem gostariam de copiar.

A diferença é que a China tem algo que nenhuma outra ditadura tem: o maior mercado consumidor do planeta. É fácil bloquear a internet quando empresas como Google, Yahoo!, Microsoft, Cisco e tantas outras, responsáveis por boa parte da infraestrutura da rede, fazem tudo para não contrariar.

A internet está trazendo mais gente para o embate político e mudando a maneira como imprensa, eleitores e políticos se relacionam. E, como todos os meios de comunicação que também mudaram essa relação no passado, a internet é tanto um instrumento para melhorar a qualidade da política quanto uma ferramenta à disposição dos demagogos com talento para explorá-la.

Matéria original: A força política de um turbilhão chamado internet

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