A gente negra ama (e consome). Tá ligado, O Boticário?

Nos subterrâneos de Gothan City, os irmãos Malafisto, Suaristo, Macedisto e Valderisto, conhecidos como Os Metralhas das igrejas caça-niqueis, tecem teias ardilosas, definem pontos para instalação de poços de areia movediça, constroem o marketing da arrecadação de dízimo via débito eletrônico, com o objetivo de estender as possessões territoriais e espirituais de sua agremiação religiosa e dominar Gothan por inteiro.

Por Cidinha da Silva via Guest Post para o Portal Geledés

O projeto de poder é ambicioso e muitíssimo bem-estruturado, passa pela conquista de representação política em eleições livres, pela extorsão, propina e corrupção generalizadas, pela ocupação de ministérios e secretarias de governo, pela FIFA e times de futebol, pelas empresas e, principalmente, pela conquista do reino do deus mídia-publicidade-marketing.

Faz parte do projeto de poder atacar a altivez, a beleza e o êxito familiar e econômico do casal de lésbicas idosas da principal novela de Gothan, fazer da Marcha para Jesus acinte hodierno aos ensinamentos do Cristo, aplicar lavagem cerebral aos seguidores, constituir exército treinado e armado para aviltar e destruir as religiões de matrizes africanas, assumir postos importantes de representação política, espalhar-se pelo mundo, principalmente por África, dominar os meios de comunicação e explorar e extorquir a credulidade dos pobres crentes.

Êeeee… vida de gado! Povo marcado. Povo feliz. A obra de arte faz dessas proezas, continua a fazer sentido, mesmo quando o autor passa a jogar no time dos Coxinhas Futebol Clube de Gothan.

Na campanha publicitária Casais, caro O Boticário, você não mesclou classes socioeconômicas ou raças, como anunciado na resposta às interpelações feitas pelos que dela não gostaram, mas, é mister reconhecer que misturaram faixas etárias e tomaram o cuidado de expor a diversidade das pessoas brancas (altas, baixas, loiras, ruivas, morenas, de cabelos compridos, curtos, encaracolados).

Aqui, no pedaço de Gothan onde vivemos, não temos ilusões, Boticário, sabemos que vocês são ensinados a nos ver, a nós, os negros, como seres subalternizados, acantonados nos porões de Gothan. Nem nossos blacks poderosos fazem cócegas para vocês nos enxergarem com olhos de humanidade. O amor é o ápice da humanidade, logo, não cabe no amor representação de negros. Isso faz sentido na lógica de vocês.

Mercado é dinheiro, mercado é o dinheiro e vivemos ainda sob a névoa do mito colonial de que o negro que vende, o negro que gera dinheiro, é o negro representado por estereótipos e estigmas ligados à escravidão e sua herança maldita (não é preciso dizer que não existe qualquer aspecto bendito nesta seara), ao racismo, à branquitude e seus instrumentos eficazes e mutantes de garantia de privilégios, inferiorização e subalternização da pessoa negra. Compreendemos que seja assim na cabecinha de vocês, publicitários de todas as idades, compreendemos (decodificamos), porque sabemos como opera a casa grande, mas não aceitamos, não aquiescemos.

Por enquanto, O Boticário, estamos do lado de vocês, porque, em Gothan, precisamos nos opor a essa gente que acende charuto com notas de um euro, à custa da exploração da fé popular, enquanto conta notas de 500 euros, dentro do cofre do Tio Patinhas. Mas não se enganem, as mulheres negras presenteiam suas namoradas e os homens negros também (namoradas e namorados), portanto, vocês têm até o dia 11 de junho para nos incluir na publicidade do dia do comércio destinado aos apaixonados.

Fotógrafo Braden Summers

** Este artigo é de autoria de colaboradores ou articulistas do PORTAL GELEDÉS e não representa ideias ou opiniões do veículo. Portal Geledés oferece espaço para vozes diversas da esfera pública, garantindo assim a pluralidade do debate na sociedade.

Leia Também

 O Boticário sofre boicote e responde com posicionamento firme

+ sobre o tema

Carta aberta a uma mãe

Carta aberta de uma mãe que não sabe o...

Terceirização tem ‘cara’: é preta e feminina

O trabalho precário afeta de modo desproporcional a população...

Exclusão de gênero do Plano Nacional de Educação é retrocesso, diz educador

Termo foi retirado também de planos municipais e estaduais...

Arquitetura dos direitos reprodutivos e ameaças ao aborto legal e seguro

Iniciamos esta reflexão homenageando a menina de 10 anos,...

para lembrar

Fusão ministerial é “apagão histórico”, afirmam juristas e especialistas

O Instituto Patrícia Galvão ouviu juristas, especialistas, pesquisadores e...

Programa Justiça Sem Muros do ITTC lança campanha sobre visibilidade ao encarceramento feminino

Inspirado na arte de Laura Guimarães, o programa Justiça Sem...

Professores, técnicos e alunos poderão usar o nome social na Uepa

A Universidade do Estado do Pará (Uepa) passa a...

Estudantes do Rio combatem machismo e racismo com projeto transformador

Com o título Solta esse Black, alunas da Escola Municipal...
spot_imgspot_img

Ela me largou

Dia de feira. Feita a pesquisa simbólica de preços, compraria nas bancas costumeiras. Escolhi as raríssimas que tinham mulheres negras trabalhando, depois as de...

Frugalidade da crônica para quem?

Xico, velho mestre, nesse périplo semanal como cronista, entre prazos apertados de entrega, temas diversos que dificultam a escolha, e dezenas de outras demandas,...

Refletindo sobre a Cidadania em um Estado de Direitos Abusivos

Em um momento em que nos vemos confrontados com atos de violência policial  e  não punição, como nos recentes casos de abuso de poder...
-+=