A gravidade da hipertensão entre pessoas negras

Saybie, considerada a bebé mais pequena do Mundo, teve alta e deixou o hospital, em San Diego, nos Estados Unidos, a 31 de Maio. A pequenina veio à luz em Dezembro, com apenas 245 gramas. Cinco meses depois, pesa mais de dois quilos. A mãe estava com 23 semanas e três dias de gravidez, quando foi diagnosticada com pré-eclampsia – uma complicação na gravidez que se caracteriza por uma elevada pressão arterial, pelo que o parto teve de ser feito imediatamente. Tendo em conta o tempo de gestação, o casal não acreditava que a filha pudesse sobreviver. Os médicos avisaram o pai que teria provavelmente apenas uma hora com a bebé, antes dela morrer.

Por Osvaldo Gonçalves, do Jornal de Angola 

RAWPIXEL.COM/Nappy

Embora a progenitora mantenha o anonimato, as fotos publicadas mostram uma bébé afro-descendente, o que reforça a tese de um risco maior de hipertensão arterial em inivíduos de raça negra, como indicam aturados estudos sobre a doença em todo o Mundo. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), 51% das mortes por Acidente Vascular Cerebral (AVC) e 45% das mortes relacionadas com problemas cardíacos decorrem da hipertensão.

As doenças cardiovasculares matam mais do que o cancro, acidentes e violência. As pessoas costumam cuidar da segurança, do diagnóstico de cancro, seguem o tratamento, mesmo tendo diversos efeitos colaterais, mas não se preocupam em controlar a pressão, lertam os especialistas.

Polémica

Recentemente, declarações da ministra da Saúde, proferidas por ocasião do Dia Mundial da Hipertensão (17 de Maio), causaram polémica nas redes sociais em Angola, pelo facto de se ter referido à intenção do Governo de subsidiar os medicamentos dos pacientes de raça negra. O facto de Sílvia Lutucuta não ter explicado convenientemente os fundamentos dessa medida – ou tais explicações não terem sido difundidas pela televisão – levou a que internautas levantassem questões relativamente ao seu enquadramento jurídico à luz da Constituição da República.

A omissão foi, entretanto, colmatada por pessoas entendidas na matéria, incluindo médicos e especialistas, que se apressaram a explicar que a hipertensão é uma doença que “dá com mais frequência e maior gravidade em indivíduos de raça negra”.

Numa nota a propósito, inserida no Facebook, com o título “Hipertensão Arterial x Pessoas de Raça Negra”, Judith Luacute, licenciada e pós-graduada em Ciências de Enfermagem pela Universidade de São Paulo (USP), Brasil, enfermeira do Hospital Josina Machel e consultora técnica do Ministério da Saúde (MINSA), esclareceu que “existem medicamentos para combater a pressão alta que não fazem efeito nas pessoas de raça negra e podem até causar outros males (efeitos colaterais), mas fazem bem às pessoas de raça branca”.

Judith Luacute referiu, ainda, que “faz sentido falar simplesmente em raça negra, quando se refere ao tratamento da hipertensão arterial”, tendo em conta que, em Angola, a maioria da população é negra e os mestiços, fruto de negro com branco, “em termos de estudos científicos sobre doenças que acontecem mais com determinada raça, são considerados negros”, devido à sua carga genética.

Referiu também que “as pessoas de raça negra merecem uma atenção especial para controlar a hipertensão arterial e controlar a doença”, para evitar complicações ou a morte. A consultora técnica do MINSA adiantou que “fica mais barato ao Estado comprar o medicamento certo para cada raça”.

Tratamento caro

Em contacto mantido via electrónica, Judith Luacute explicou ao Jornal de Angola que muitos doentes procuram o hospital quando apresentam sintomas de crise hipertensiva (tensão arterial muito acima dos valores normais) ou mesmo com sintomas de uma insuficiência renal e/oucardíaca já instados.
Aos pacientes que são atendidos nas consultas externas, por um médico de clínica geral, e, sempre que há necessidade, encaminhados para um especialista, com base nos protocolos da instituição, para reavaliação e posterior conduta, “são feitos todos os procedimentos para a estabilidade da doença”. Depois, acrescenta, “o doente segue com tratamento para manutenção da sua doença crónica, dentro dos padrões aceitáveis, para uma vida com certa qualidade”.

Judith Luacute adianta que, “quando o médico diagnostica uma hipertensão arterial, prescreve medicamentos, que têm como objectivo manter os níveis da tensão arterial dentro dos padrões normais”. O paciente “terá que tomar os medicamentos todos os dias”. Tais fármacos “são caríssimos, o que leva muita gente a desistir de tomá-los, facto que dá consequências graves, muitas vezes irreversíveis”, razão pela qual “o Estado pretende subvencioná-los”.

A nossa fonte, que na primeira nota no Facebook frisa a quantidade de pacientes com hipertensão ou diabetes, muitos deles jovens, com insuficiência real grave, a precisarem de ser submetidos a hemodiálise, explica que este “é um procedimento que consiste em filtrar o sangue através de um aparelho, que substituí as funções do rim”.
Mais adianta que a hemodiálise “é um tratamento contínuo, podendo ser interrompido apenas se o doente receber um transplante do rim”. Realiza-se “três vezes por semana,durante quatro horas consecutivas”.
Além de ser “um tratamento extremamente caro”, “o doente em hemodiálise precisa de receber vários medicamentos para suprir as substâncias que o rim fabricava, dos quais podemos citar a eretropoetina (para evitar a anemia) entre outros, que são muito caros e que a maioria dos doentes não consegue comprar”.

Doença atinge 20 por cento dos adultos

Em Angola, a hipertensão arterial apresenta um quadro grave. As autoridades apontam que 20 por cento dos indivíduos adultos são hipertensos e 50 cento deles desconhecem o seu estado de saúde. Outra preocupação é relativa aos casos de crianças diagnosticadas com a doença.

Enfermeira renomada, Judith Luacute afirma que “as pessoas diagnosticadas com hipertensão devem tomar rigorosamente a medicação prescrita e não podem parar de tomar os medicamentos, porque alguém lhe disse que eles viciam”, um mito que, afirma, “precisa de ser combatido”.

“É importante que o MINSA, através do seu Departamento de Saúde Pública, intensifique o programa de consciencialização de educação para a saúde, com ênfase na prevenção e controlo da hipertensão, de forma que toda a população adopte como rotina ir ao médico de seis em seis meses, para que o indivíduo ao qual for diagnosticada a hipertensão saiba das necessidades de tomar os medicamentos e saiba também as consequências que a doença pode provocar, caso não se tomem as medidas para mantê-la estável”, recomenda.

Considera ainda importante a criação, nos hospitais, de núcleos com médicos, enfermeiros, psicólogos, fisioterapeutas, nutricionistas, assistentes sociais, etc., que atendam pessoas hipertensas, para troca de experiências entre os pacientes, medição da tensão arterial, orientações sobre a importância de tomar os comprimidos, apoio psicológico, orientação sobre a alimentação e hábitos saudáveis, entre outros.

 

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