A invisibilidade das questões étnico-raciais e a mídia

por Claudia Vitalino do Vermelho

A questão racial vem pontuando as discussões voltadas para a democratização da comunicação e também na conquista da cidadania. O consenso de que a superação das desigualdades raciais e sociais passa pela correção das assimetrias do próprio Estado Brasileiro devem passar a encarar as relações raciais como um tema transversal que estrutura a dinâmica das sociedades.

Um relatório da UFRJ divulgado em 2011 aponta que tem crescido a parcela de negros e pardos no total de desempregados. De acordo com o relatório, em 2006, 54,1% do total de desocupados eram negros e pardos (23,9% de homens e 30,8% de mulheres). Pouco mais de 10 anos antes, ou seja, em 1995, os negros e pardos correspondiam a 48,6% desse total (25,3% de homens e 23,3% de mulheres).

O Censo 2010 apurou que, dos 16 milhões de brasileiros vivendo em extrema pobreza (ou com até R$ 70 mensais), 4,2 milhões são brancos e 11,5 milhões são pardos ou pretos.

De acordo com pesquisa do IBGE divulgada em julho de 2011, as diferenças raciais ou de cor influenciam em aspectos como acesso a trabalho (71%), relação com justiça/polícia (68,3%) e convívio social (65%). No Distrito Federal, onde há o maior PIB per capita do país, esses aspectos são ainda mais perceptíveis: trabalho (86,2%), convívio social (78,1%) e relação com justiça/polícia (74,1%).

A população negra e a cultura afro-descendente estão sendo sub-representadas na TV públicas

A programação atual das TVs Pública expressa um baixo perfil de reflexão sobre o pluralismo cultural brasileiro. Ela deixa, especialmente, de incorporar as matrizes étnico-raciais negra e indígena, vertentes que imprimiram na fusão com a cultura europeia a originalidade da cultura brasileira e o grande patrimônio simbólico deste país. Conceitualmente, foram classificados como programas que trataram da temática raça ou cultura negra aqueles que mencionaram direta ou indiretamente os elementos caracterizados como pertencentes à cultura negra brasileira ou estrangeira (religiosidade, comida, música, dança, folclore etc.). Um exemplo é o programa de entrevista com uma banda de rock, classificado na categoria “um pouco”, no que diz respeito à abordagem da cultura negra, porque o líder euro-descendente do grupo citou que produzia “um som” com muita influência do blues. Tais elementos foram suficientes para, positivamente, considerarem que o programa de alguma forma citou a cultura negra, mesmo que de forma diaspórica, e de passagem.

O mesmo padrão foi apresentado pela TV Cultura. Em todos os canais foi impossível identificar qualquer apresentador deste gênero que não fosse do segmento racial euro-descendente.

Relembrando

O ano de 1988 foi marcado por uma série de movimentações sociais resultantes do movimento negro e que, evidentemente, eram noticiados pelos diversos tipos de mídia. Além do movimento internacional liderado pela ONU para o fim da apartheid. No Brasil era comemorado o centenário da abolição da escravatura, a Campanha da Fraternidade tinha como tema o combate ao racismo e a vencedora do carnaval carioca foi à escola de samba Vila Isabel, que falou do movimento negro.

A nova Constituição brasileira de 1988 passou a considerar o racismo como crime, o que foi regulamentado no ano seguinte, pela a Lei 7.716, do então deputado negro Carlos Alberto Caó.

Embora o nosso País, segundo os especialistas, seja detentor de uma admirável legislação de combate à discriminação, em especial à discriminação racial (podemos citar a Constituição Federal, os diferentes tratados internacionais, como por exemplo, a Convenção 111 da Organização Internacional do Trabalho – OIT e as leis penais que sinalizam e dão os caminhos de combate à discriminação) ainda persistem sistematicamente as disparidades entre brancos e negros.

O trecho transcrito faz parte do editorial “Ironia de um congresso”, do jornal Folha da Manhã (atual Folha de S.Paulo), publicado num domingo, 12 de janeiro de 1930:

“Por que motivo os negros, em grande maioria, moram nos cortiços? A resposta assegura-lhe, é muito fácil: a pouca valia que imprimem aos seus trabalhos; a pouca ou nenhuma cultura e a acentuada dolência dos seus passos; a inércia e a falta de vontade e iniciativa para uma reação na trilha do progresso são as causas principais que obrigam os negros às misérias do cortiço.”

É muito pouca a participação de profissionais negros na mídia ainda hoje em pleno século XXI e esta não é uma característica apenas do meio televisivo.

A imprensa direcionada a negros, produzida por negros e retomada pela revista Raça, por exemplo, data do início do século XX. Sentindo a impermeabilidade da “imprensa branca”, um grupo de negros paulistas fundou, em 1915, uma imprensa alternativa. É o que a antropóloga Miriam Nicolau Ferrara, estudiosa do assunto, chama de “imprensa negra”. Pela primeira vez o negro tornou-se o alvo de um conjunto de periódicos específicos, que se sucederam durante quase cinqüenta anos, até 1963, quando foram reprimidos pela ditadura.

Os jornais da imprensa negra concentraram o seu noticiário apenas nos acontecimentos da comunidade, divulgando a produção dos seus intelectuais e não priorizando fatos de grande repercussão nacional e internacional (como as duas Grandes Guerras, a Coluna Prestes, entre outros). “Movimentos de militância, como a imprensa negra, foram e são formas de valorizar a cultura negra e de aumentar a sua auto estima”

O Brasil, institucionalmente falando, avançou significativamente na discussão sobre o tema, mas apenas no discurso. O país se reconheceu oficialmente como racista, afirmação até há pouco tempo interditada pelo discurso oficial. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso assumiu publicamente em reunião da Organização dos Estados Americanos (OEA) que o problema secular de desigualdade no País possui um viés marcadamente racial. Ele também afirmou categoricamente que para compreender os extremos da exclusão no Brasil era necessário se remeter à situação de uma mulher negra nordestina, que reúne ao mesmo tempo as dimensões de gênero, raça e pertencimento geográfico.

Propostas:

• Que sejam reconhecidas pelo conjunto da categoria as ações contra todo e qualquer tipo de discriminação e em defesa da igualdade étnica desenvolvidas pelo Núcleo de Comunicadores Afro-descendentes do Rio de Janeiro.

• Que os sindicatos de comunicação acompanhem relatos sobre as questões específicas dos afro-brasileiros e outros segmentos discriminados da população brasileira.

• Realização de parcerias com instituições, entidades e organizações não governamentais que venham a auxiliar no desenvolvimento de ações e políticas para atender as demandas históricas da comunidade negra brasileira, com o objetivo de promover a igualdade racial entre os trabalhadores dos meios de comunicação e também para melhorar a qualidade da cobertura jornalística dos temas relacionados com a etnia negra e indígena.

• A inclusão da auto declaração étnico-racial nas fichas sindicais, medida que deve ser precedida por uma campanha de esclarecimento junto à categoria.

• Apoio e execução de políticas (ações afirmativas, cotas) para os meios de comunicação.

• Monitorar as discussões e aplicação de metas dos organismos nacionais e internacionais (ONU, OEA, Conferências, DHESCs) que regem os princípios dos direitos humanos e relações raciais no Brasil e no resto do mundo.

A mídia dominante insiste que o racismo no Brasil não tem um caráter sistêmico, abordando a questão sempre pela ótica individual. A ação da mídia é sempre no sentido de minorar a questão, tirando a seriedade para que não entre na agenda, a FALE RIO é um importante instrumento de luta e debate.

No ultimo dia 23, na reunião da FALE RIO, o PCdoB teve uma participação expressiva no debate, onde estiveram presentes também: UEE, UEES, DCE FACHA, Barão de Itararé, UNEGRO, CEBRAPAZ, Gabinete da Enf. Rejane, única representação parlamentar, foi representada pela Flavia Calé (Presidente da UJS-RJ), tal como já acertado com a deputada e o gabinete, isso foi formalmente acertado na plenária.

É importante que outras entidades do movimento negro, jornalistas, intectuais e artistas negros entrem na discussão.

Foi debatido também o PL do Conselho Estadual de Comunicação do ponto de vista do texto e tática de negociação. A coordenação ficou de precisar as contribuições e debater a melhor estratégia para tentar sensibilizar o executivo para aprovação do Conselho. No final foram dados os informes e marcada a nova plenária parao dia 6 de fevereiro.


 

*Claudia Vitalino – Secretaria Municipal de Luta Anti-Racismo do PCdoB da Capital.

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