Por Fátima Oliveira
Lélia Abramo (1910-2004), jornalista de formação, virou atriz profissional tardiamente, aos 47 anos (1958), ao fazer parte do elenco da primeira montagem de “Eles Não Usam Black-tie”, de Gianfrancesco Guarnieri, o que lhe rendeu o prêmio de melhor atriz coadjuvante. Interpretou Romana, personagem que residia num morro no Rio de Janeiro. Na estreia, foi aplaudida de pé no Teatro de Arena. Lélia Abramo fez 28 peças, 14 filmes (estreou em “Vereda da Salvação”, de Anselmo Duarte, em 1964); e 29 novelas nas TVs Excelsior, Tupi, Record, Globo e Manchete.
Filha dos imigrantes italianos Afra Yole Scarmagnan e Vicenzo Abramo, fazia política como pouca gente ousou fazer: jamais transigia em questões de princípios, postura que prejudicou sua carreira na TV, mas não impediu que deixasse a marca da competência e da beleza no cinema, no teatro e na própria TV. É fundadora do Partido dos Trabalhadores (PT), em 1980.
Perseguição política nunca faltou na vida de Lélia. E desde cedo. “Aos 21 anos, do primeiro emprego, no escritório de uma fábrica, foi demitida por motivos ideológicos. Trabalhando no Sindicato dos Comerciários, foi expulsa (1937) por críticas à política trabalhista do presidente Vargas. No ano seguinte, doente, foi para a Itália, onde foi vítima de erro médico: numa cirurgia para extração do ovário esquerdo, teve extirpado o direito, que era sadio, tornando-a estéril; e um vaso não devidamente suturado causou um choque hemorrágico pós-operatório… Lá ficou 12 anos (1938-1950), período da Segunda Guerra Mundial. De volta ao Brasil, foi jornalista da agência de notícias Ansa”.
No centenário de Lélia Abramo (8.2.2011), referendando o dramaturgo Chico de Assis, digo que “ela tinha o sentimento do mundo” e registro que tive a honra de conhecê-la. Integrante destacada, porém discreta e silenciosa, do governo de Luiza Erundina (1989-1992), tinha o dom de articular apoios no mundo artístico, tanto para a presença em eventos como para declarações nos momentos mais cruéis vividos pela prefeita, que foram muitos e sem tréguas.
Em uma gaveta na Coordenadoria da Mulher da Prefeitura de São Paulo, eu guardava uma lista datilografada com telefones e endereços de atores e atrizes do mundo “global” que poderiam ser acionados a qualquer hora. Duas recomendações eram seguidas à risca: só usar quando absolutamente necessário e que “a lista de Lélia” não poderia ser digitada e nem fotocopiada! Quando telefonávamos para qualquer daqueles nomes, a senha era: “Em nome de Lélia Abramo”… Jamais ouvimos um não! A primeira vez que falei com Toni Ramos, lia uma nota quando, na metade, ele interrompeu: “Está muito boa! Assino. Diga à prefeita que continuo às ordens. Abraços em Lélia!”. A lista foi devolvida à atriz ao fim do governo Luiza Erundina.
Tenho duas recordações nítidas da Lélia atriz: como Bibiana Cambará, na minissérie “O Tempo e o Vento” (1985), epopeia gaúcha, narrativa das sagas das famílias Terra e Cambará, baseada em três livros – “O Continente”, “O Retrato” e “O Arquipélago” – de Érico Veríssimo. Na Rede Globo desde 1964, sua personagem na novela “Pai Herói” (Janete Clair, 1979), Januária Limeira Brandão, avó da bailarina Carina (Elizabeth Savalla), foi morta prematuramente, por perseguição política da “Vênus Platinada”, que a colocou no “olho da rua”. Lélia presidia o Sindicato dos Artistas de São Paulo, cujas lutas – por melhores condições de trabalho e regulamentação da profissão, lei que foi aprovada – foram vigorosas.
Fonte: Viomundo