A questão do aborto influenciará o seu voto?

Na disputa presidencial entre os candidatos Dilma Rousseff do PT e José Serra do PSDB neste segundo turno, um tema polêmico está em debate: o aborto e sua descriminalização. O Partido dos Trabalhadores de Dilma já discute como conduzirá agora essa temática, que talvez tenha sido responsável por uma considerável perda de votos para a candidata para Marina Silva, do Partido Verde (PV).  Marina, como se sabe, é evangélica e se colocou claramente contra a legalização do aborto.

Tanto Dilma quanto Serra emitiram posições mais ou menos cautelosas, dependendo dos ventos. Os jornais já estão recolhendo frases dos dois sobre esse assunto. Em 2007, Dilma disse: “Acho que tem de haver a descriminalização do aborto”. Já neste ano, a candidata do PT afirmou: “Tanto eu quanto o presidente Lula não defendemos o aborto. Defendemos o cumprimento da lei”. Serra, por sua vez, também parece ter mudado surfando conforme as ondas. Em 1998, enquanto ministro da Saúde foi o responsável por assinar uma lei que permite a realização do aborto em casos de vítimas de estupro e riscos para a grávida. Durante debate da TV Record, o candidato do PSDB afirmou ser contra o plebiscito sobre o aborto, assim como é contra o plebiscito da pena de morte.  Já em entrevista recente a ÉPOCA, Serra admitiu essa possibilidade.”Se eu vier a ser presidente da República, não vou propor mudança na lei atual, mas vou permitir que essa discussão se tenha amplamente no Brasil, no âmbito do Congresso, eventualmente até por meio de consulta à população”, disse ele.


Debora Diniz, antropóloga

Para aprofundar mais esse assunto, entrevistei a antropóloga Debora Diniz, de 40 anos, professora da Universidade de Brasília e pesquisadora da Anis – Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero. Atualmente, Debora é pesquisadora visitante na Faculdade de Direito na Universidade de Toronto, onde desenvolve pesquisas sobre aborto e direitos humanos.

Nesta eleição presidencial, a questão do aborto se tornou mais importante para o eleitor brasileiro?
A resposta pode ser “sim” ou “não”. A resposta é sim se considerarmos que o aborto ilegal e inseguro é uma importante questão de saúde pública no Brasil. Aos 40 anos, uma em cada cinco mulheres já fez um aborto. Isso representa um contingente de mais de 5 milhões de mulheres entre 18 e 39 anos. Elas abortam com métodos inseguros e temem ir para a cadeia. Elas correm risco em clínicas ilegais ou com medicamentos adulterados, e acabam finalizando o aborto nos hospitais públicos. Portanto, o aborto importa ao eleitor brasileiro, pois é uma questão de saúde pública e de direitos fundamentais das mulheres. A resposta é não se considerarmos o contexto em que o tema foi posto para o segundo turno das eleições. O aborto se transformou em uma moeda de troca para angariar votos, em particular das comunidades evangélicas e católicas. As concessões políticas feitas pelos candidatos devem ser consideradas ameaças democráticas, pois indicam a força das religiões no espaço público. Não é o tema do aborto e a saúde das mulheres o que está sendo discutido, mas se as plataformas religiosas devem regular ou não a sexualidade e a reprodução das mulheres.

Como vê a mudança do PT em retirar do debate a defesa da descriminalização do aborto das eleições presidenciais neste segundo turno?
Caso ocorra essa mudança na plataforma política, esse é um fato que deve ser considerado de extrema gravidade para a democracia. Não representa uma alteração em um plano de governo, como resultado de mudanças de conjunturas econômicas, por exemplo, o que justificaria uma mudança em uma política monetária. É um sinal claro do quanto o Estado brasileiro é frágil frente ao poder das religiões no espaço público. Qualquer mudança desta natureza deve ser considerada uma ameaça à separação entre Estado e religiões, o que chamamos de laicidade do Estado.

Em entrevista a ÉPOCA, o candidato do PSDB, José Serra, disse que eventualmente poderia acontecer um plebiscito sobre essa questão. Já no último debate da TV Record, ele descarta essa possibilidade. Em 1988, Serra também foi criticado por grupos contra o aborto por normatizar a lei do aborto que prevê realização em casos de gravidez após estupro. Como analisa essa mudança de posição de Serra?
Aborto não é matéria para plebiscito. A democracia se move por duas forças: de um lado, a vontade da maioria, o que agora nos leva a eleger o novo Presidente da República; de outro lado, a proteção dos direitos  das minorias. Questões de ética privada, como união civil entre pessoas do mesmo sexo ou aborto, não são matérias plebiscitárias, mas de garantia de direitos fundamentais. Convidar a população a um plebiscito sobre aborto é apostar na força das comunidades religiosas para impedir uma mudança na legislação penal de aborto. É simplesmente um artifício para não conduzir o debate sobre no aborto nos únicos termos possíveis para uma democracia que são as evidências de pesquisa e o marco de direitos humanos. Não me interessa saber a opinião moral de Dilma Rousseff ou José Serra sobre aborto, mas sim como eles pensam em cuidar desses milhões de mulheres que chegam aos hospitais públicos para finalizar um aborto, com que fundamento legal e ético eles sustentariam a proibição do aborto em caso de estupro ou se eles acreditam que uma mulher deva ser forçada a se manter grávida mesmo sabendo que o feto não irá sobreviver. Essas são perguntas para um debate político sobre aborto e não questionamentos sobre quem é a favor ou contra o aborto.

Como vê a campanha da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) em defesa da vida nesta campanha presidencial?
As igrejas são livres para defender suas posições morais aos seus membros. Cabe às instituições democráticas demarcar o espaço legítimo reservado a elas, inclusive desmentindo-as em casos importantes para a vida social. Por exemplo, se uma determinada comunidade religiosa classificar a contracepção de emergência, hoje distribuída no Brasil pelo SUS, como abortiva, cabe ao Ministério da Saúde publicamente desmentir. As igrejas, entre elas a CNBB, que representa a Igreja Católica, têm diversas isenções de impostos por serem entidades de cunho religioso, portanto, não são partidos políticos. Essa é uma fronteira que cabe à sociedade civil monitorar quando ultrapassada. Outro ponto, que já ocorreu na Cidade do México, por ocasião da mudança da lei penal do aborto, que passou a ser permitido, foi a Igreja Católica ameaçando de excomunhão os juízes da Suprema Corte. Atitudes como essa devem ser repudiadas em uma democracia, pois significam o uso da força para impedir as mudanças.

Como analisa o tema aborto em eleições presidenciais fora do Brasil?
Neste momento considera-se que o tema do aborto é capaz de decidir as eleições para Presidente da República no Brasil. Isso é um absurdo e pelo menos por três razões, algumas delas só nossas, outras que dialogam com o cenário internacional. A primeira razão é que há dezenas de outras questões fundamentais para os rumos do país, e que precisamos de clareza sobre as proposições dos candidatos, tais como a desigualdade social, a violência urbana, ou a questão rural. Colocar o aborto como questão prioritária é uma estratégia perversa de silenciar os temas que verdadeiramente importam para o debate político. A segunda razão é que esse fenômeno atualiza no Brasil o que foi o estilo Bush de governar, com o fortalecimento das religiões na política. Recentemente, Espanha e Portugal enfrentaram embates políticos semelhantes tendo o tema do aborto como questão central e em ambos o aborto foi reafirmado como um direito das mulheres. O retrocesso da legislação do estado da Califórnia sobre união entre pessoas do mesmo sexo foi um caso claro da interferência das religiões cristãs na política, em especial dos mórmons, e com apelo ao plebiscito. Por fim, é perverso ignorar o impacto que a ilegalidade do aborto tem na vida de uma mulher. As mulheres morrem e adoecem ao fazer um aborto ilegal. O risco não está no aborto como um ato médico, mas na ilegalidade do aborto. Elas passam a ser criminosas por resistirem à imposição do Estado em serem mães contra a vontade.

E você? A posição dos candidatos sobre o aborto influenciará em seu voto para presidente? Por quê?

Fonte: Época

+ sobre o tema

Exploração sexual de crianças e adolescentes só tem 20% dos casos denunciados

Denúncias de exploração sexual de crianças e adolescentes representam...

Terceirização tem ‘cara’: é preta e feminina

O trabalho precário afeta de modo desproporcional a população...

Internet impulsionou surgimento de um novo feminismo

Redes sociais ajudaram a divulgar campanhas que chegaram às...

Arquitetura dos direitos reprodutivos e ameaças ao aborto legal e seguro

Iniciamos esta reflexão homenageando a menina de 10 anos,...

para lembrar

Por que parar na questão de gênero? Vamos trocar a Constituição pela bíblia

Por conta da pressão da Frente Parlamentar Evangélica junto...

Programa Justiça Sem Muros do ITTC lança campanha sobre visibilidade ao encarceramento feminino

Inspirado na arte de Laura Guimarães, o programa Justiça Sem...

Homens que cuidam

João está deprimido. Fez uma consulta com um psiquiatra...

Estudantes do Rio combatem machismo e racismo com projeto transformador

Com o título Solta esse Black, alunas da Escola Municipal...
spot_imgspot_img

O atraso do atraso

A semana apenas começava, quando a boa-nova vinda do outro lado do Atlântico se espalhou. A França, em votação maiúscula no Parlamento (780 votos em...

França se torna primeiro país do mundo a proteger aborto na Constituição

A França se tornou nesta segunda-feira (4) o primeiro país do mundo a incluir na Constituição a liberdade da mulher de abortar. A mudança na Carta Magna...

Justiça veta parte de lei do ABC Paulista que proíbe o aborto legal

O Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu suspender parte de uma lei promulgada no município de Santo André, no ABC Paulista, que...
-+=