A rainha do lar virou cidadã

Neste 8 de março de 2010, o Dia Internacional da Mulher assopra cem velinhas. A data foi proposta pela socialista alemã Clara Zetkim (1857-1933). Ela e suas companheiras queriam um dia de visibilidade para a luta das mulheres. Algo semelhante ao impacto do Primeiro de Maio – Dia do Trabalhador.

Por: Fernanda Pompeu

Um século depois é notável o que as mulheres fizeram para si mesmas e para a sociedade como um todo. Conquistaram o direito ao voto, o direito a ser proprietárias e a tomar decisões sem a tutela do pai, tio, marido, irmão ou primo. O direito de ingressar nas universidades. O direito de prestar concursos públicos, entre muitos outros.

No cotidiano, o progresso foi estonteante. Tomar uma cervejinha sem ser importunada, trocar um noivado por estudos no exterior, ter disponibilidade de viajar a trabalho, falar em público são ações cada vez mais comuns. Tendo consciência ou não, tais avanços civis e mudanças de comportamento têm a ver com as inúmeras e aguerridas lutas travadas pelas feministas.

 

O feminismo começou sonhando com a igualdade de direitos entre mulheres e homens e com a autonomia feminina. Ser dona do próprio nariz para escolher ou desistir de caminhos foi a ideia-força das ativistas que botaram a cara para bater. Apelidadas de feias e mal-amadas, atacadas sistematicamente, elas respiraram fundo e seguiram com suas bandeiras. Parece que deu certo.

Brasil
Hoje, no Brasil, as mulheres estão em todas as áreas públicas. Participam do mundo empresarial, da cultura, da comunicação, da formulação de políticas públicas que andam mudando a cara do país. Estão presentes, em massa, na saúde e na educação. Mas não só isso.

Há mulheres em pesquisas de ponta da ciência, como a geneticista Mayana Zatz encabeçando os estudos com células-tronco embrionárias e a astrofísica Thaisa Storchi-Bergmann descobridora de um buraco negro no centro de uma galáxia. Cresce, também, o número de técnicas, engenheiras, juízas, economistas.

 

Essa invasão de praias tradicionalmente masculinas é um fenômeno recente e transformador. Segundo a física e feminista Vera Soares, o progresso das mulheres, onde antes havia 99% de homens, se deve à cultura feminista e ao empenho nos estudos: “as mulheres se aplicam cada vez mais e melhor e já ultrapassam os homens em anos de estudo. O resultado são cabeças ousadas e trabalhadoras altamente capacitadas.”

No entanto, somos uma sociedade desigual com reflexos também entre as mulheres. As brasileiras das zonas rurais têm imensas dificuldades em acessar serviços básicos, bem como de estudar. Longe dos recursos dos centros urbanos, ficam mais vulneráveis às violências. Muitas morrem antes de encontrar ajuda.

Também é fato que tem crescido o número e a qualidade de mulheres líderes rurais. Valentes com pé no chão, elas enfrentam ameaças de morte por parte de donos e grileiros de terra e, muitas vezes, a incompreensão de seus companheiros. É preciso fôlego de leoa para cuidar de si mesmas, da roça, da casa, dos filhos e do ativismo.

Outro segmento que avança conquistando espaços é o de mulheres negras, historicamente em desvantagem com as brancas, elas começam a marcar presença nas universidades, na teledramaturgia e em postos mais expressivos de trabalho. “Isso se deve também a maior visibilidade da mulher negra como sujeito político com direitos e cidadania”, diz a psicóloga Maria Lúcia da Silva do Instituto AMMA – Pisque e Negritude.

Ela agrega que as conquistas também devem ser creditadas às organizações de mulheres negras que, entre outras ações, emprestam novos pontos de vista ao movimento feminista. Foram elas que iniciaram a delicada discussão da relação empregada doméstica-patroa.

Tantas conquistas significam que o feminismo cumpriu sua função e pode se aposentar? Ainda não. Apesar do dinamismo feminino e de avanços jurídicos como a Lei Maria da Penha, a violência contra as mulheres, também chamada de violência de gênero, segue assombrando o Brasil e o mundo.

Os maiores agressores são maridos, namorados – os atuais ou ex. Jacira Melo, diretora do Instituto Patrícia Galvão, que mantém o Portal c voltado para jornalistas, ressalta o caráter sinistro dessa violência: “quando um homem agride uma mulher não atinge apenas a ela, esse ataque corrompe filhos, família e todo o tecido social”. Para Jacira, a violência só cessará quando as mulheres tiverem mais respeito social e poder de fato.

Neste mês de março, aceite a rosa dada por comerciantes, os parabéns ofertados pelos homens sensíveis, os brindes das revistas femininas, o auê cor-de-rosa da mídia ligeira, mas não se esqueça que a trilha é de luta e muito empenho. Ainda estamos no caminho para atingir igualdade de oportunidades, justiça de gênero e equidade entre mulheres e homens.

 

 

Fonte: Yahoo

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