A reforma da Previdência e o Brasil que queremos por Maria Alice Setubal

Desigualdade também prejudica os privilegiados

Maria Alice Setubal no Folha de São Paulo
Maria Alice Setubal, presidente do conselho da Fundação Tide Setubal – Reinaldo Canato – Folhapress

A reforma da Previdência continua no centro do debate político brasileiro. Recentemente, o FMI divulgou dados mostrando que, em 2018, o Brasil perdeu participação global pelo sétimo ano consecutivo, passando de 7º para 8º lugar no ranking das economias mundiais. Para além dessa queda, a preocupação dos economistas é a nossa falta de crescimento econômico.

No entanto, essa questão envolve uma reflexão de múltiplas dimensões. E é Christine Lagarde, diretora administrativa do próprio FMI, quem alerta, em artigo à revista Economist, sobre o papel dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, que se justapõem às responsabilidades do FMI, na medida em que afetam o crescimento financeiro sustentável e inclusivo.

Ao destacar o aumento das desigualdades dentro dos países, Christine destaca: “A desigualdade enfraquece a ideia de uma sociedade meritocrata, em que uma pequena minoria ganha acesso aos muitos benefícios tangíveis e intangíveis, necessários para estar à frente, seja na educação, no enriquecimento cultural ou em boas conexões. Essa exclusão, pela qual a desigualdade de resultados se alimenta da desigualdade de oportunidades, fere a produtividade, porque priva a economia das habilidades e dos talentos daqueles que são excluídos”.

Sem dúvida, o país precisa de uma reforma da Previdência que leve ao equilíbrio das contas públicas e a um ambiente de negócios estável e confiável para que a economia encontre condições para crescer.

Na década de 1970, o lema era que o bolo precisava crescer para depois ser distribuído, o que só começou a se tornar realidade a partir da Constituição de 1988, com os governos democráticos que implementaram políticas sociais, de saúde e de educação. Somos o nono país mais desigual do mundo, e as desigualdades sociais intensas produzem consequências negativas para todos, inclusive para aqueles que estão em posições privilegiadas.

O estudo “The Equality Trust”, editado em Londres e Nova York, comparou dados de mais de 20 países e também dos 50 estados americanos, demonstrando por que maior igualdade é melhor para uma melhor qualidade de vida. Repleto de gráficos e estatísticas quantitativas, o estudo demonstrou que os países mais desiguais têm economias mais instáveis, estão mais propensos a crises e são mais fechados à mobilidade social.

O aumento das desigualdades está relacionado a maiores taxas de crimes contra a propriedade e a maiores taxas de homicídio. Viver em sociedades mais desiguais causa mais estresse e ansiedade, enquanto a vida em sociedades mais igualitárias está mais associada a maior expectativa de vida, menor probabilidade de doenças mentais, mais confiança, participação e felicidade.

Nesse contexto, a reforma da Previdência traz intrinsecamente o debate sobre qual sociedade brasileira queremos construir, não porque a discussão da oposição seja ideológica, como afirma o governo, mas porque todas as posições são ideológicas nesse debate.

A questão está nas nossas mãos: queremos continuar como uma sociedade atrasada e distante dos países desenvolvidos, como escreveu Elio Gaspari nesta Folha em 30 de janeiro, uma sociedade conservadora, ou desenharemos uma reforma justa, que leve em conta a redução das desigualdades? Vai muito além do bom-mocismo. É uma questão de igualdades e de escolha de posicionamento. Vale lembrar que erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais estão entre os objetivos da Constituição.

Cabe a cada um de nós uma reflexão com uma participação em seu âmbito de atuação, seja na família, em organizações da sociedade civil, em empresas ou na política. Só assim estaremos construindo cidadania.

Maria Alice Setubal

Doutora em psicologia da educação (PUC-SP), presidente do conselho da Fundação Tide Setubal e do Gife (Grupo de Institutos, Fundações e Empresas)

+ sobre o tema

União Africana classifica escravidão e regime colonial de genocídio

Líderes de países africanos deram um novo passo na...

Quilombolas pedem maior participação em debates sobre a COP30

As comunidades afrodescendentes e quilombolas pedem mais espaço nos...

Imposto de Renda 2025: prazo começa nesta segunda; veja mudanças e quem precisa declarar

O prazo para entrega da declaração do Imposto de...

para lembrar

Gregório Duvivier fala ao Correio sobre livro de ilustrações

O comediante e escritor circula com elegância por temas...

O povo nunca esteve tão perto do poder na Colômbia

Seja qual for o resultado das urnas no domingo...

Chora por Mandela, mas acha um absurdo pobre querer os mesmos direitos – Por: Leonardo Sakamoto

Precisamos de mais pessoas como Mandela. Pessoas que...

Serra por FHC

Fernando Henrique Cardoso confidenciou a interlocutor de sua...

Tribunais dizem que Trump não é rei

Na política ninguém renuncia ao poder voluntariamente. Essa premissa levou os arquitetos do constitucionalismo moderno a engendrarem sistemas de freios e contrapesos, de forma...

Musk sugere anistia para policial que matou George Floyd

O bilionário Elon Musk sugeriu repesar a condenação da Justiça contra Derek Chauvin, o policial que assassinou George Floyd, em 2020. O agente que...

Redução da jornada de trabalho ajudaria quebrar armadilha da baixa produtividade?

Exemplos de países desenvolvidos não dizem muito sobre qual seria o efeito da implementação de uma redução da jornada de trabalho no Brasil. A explicação...
-+=