A Velha e a Iaô

Como a estátua da namoradeira na janela, a senhora septuagenária espiava o movimento da rua. Minha filha subia a Ladeira do Garcia apressada e a senhora gritou, iaô, oh iaô, o que você está fazendo com a cabeça no sol uma hora dessas, iaô? Hora de estar dentro de casa iaô, já é quase meio dia. Venha aqui tomar um copo d’água.

Deborinha, sem opção, chegou à porta da casa e tomou a benção. A senhora a abençoou e mandou entrar. Entre surpresa, feliz e ansiosa, entrou. Surpresa porque para uma paulistana a frase “só se vê na Bahia” faz todo sentido quando esse tipo de hospitalidade se apresenta. Por isso também a felicidade, o aconchego de um sentimento de família, mesmo que as duas nunca tivessem se visto antes. Ansiedade porque tinha compromisso de hora marcada, coisa de trabalho, e precisava torcer para que a mãe a liberasse logo.

Beba a água e esfrie o corpo. Ela obedece e escuta a preleção. Você sabe que não pode ficar na rua uma hora dessas. Por que você é tão teimosa, iaô? Ela mantém a cabeça baixa, mas dá aquele risinho maroto de Logun, como assim? Que teimosia ela fez? Pensa, mas não emite palavra.

Vamos me diga, o que você está fazendo na rua a essa hora? Era o momento de responder. Estou na rua porque estou trabalhando, mãe, ainda é de manhã. Quase meio dia, iaô. Só se meu relógio estiver atrasado, mãe, ele está marcando onze horas. Veja aqui, por favor. É mesmo, é? Mas até você chegar onde tem que ir já será meio dia e você estará na rua com a cabeça descoberta. Eu vou aqui perto mesmo, mãe. Chego lá antes das 11:30 que é o horário do meu compromisso. E vai andando no sol? Vou, mãe, é pertinho. Vai não senhora!

Deborinha gelou e emudeceu, o que ela temia estava acontecendo. A mãe resolveu prendê-la ali. Contudo, como não há ansiedade que dure para sempre a senhora chamou a filha, mandou que tirasse o carro da garagem e levasse a iaô até seu destino, para resguardar sua cabeça do sol quente.

+ sobre o tema

Por que mandaram matar Marielle Franco? Essa agora, é a pergunta que não se cala…

Seis anos depois e finalmente o assassinato de Marielle...

Mulheres sambistas lançam livro-disco infantil com protagonista negra

Uma menina de 4 anos, chamada de Flor de...

Poesia: Ela gritou Mu-lamb-boooo!

Eita pombagira que riscaseu ponto no chãoJoga o corpo...

para lembrar

Santo deus das bananas olhai por eles! por Cidinha da Silva

Olhai pelos tolos seguidores dos idiotas, senhor deus das...

Se a questão fosse rola, os machos a resolveriam entre si

O problema não está na falta de rola, periquita...

A campanha #meuamigosecreto viralizou e a casa do machismo virtual caiu

A hashtag #meuamigosecreto constituiu-se como movimento internáutico divertido e criativo. Primou...

Cidinha da Silva resenha livro de Lande Onawale

Por: Cidinha da Silva Ogun iê! Lande Onawale, artífice da...
spot_imgspot_img

Ela me largou

Dia de feira. Feita a pesquisa simbólica de preços, compraria nas bancas costumeiras. Escolhi as raríssimas que tinham mulheres negras trabalhando, depois as de...

Frugalidade da crônica para quem?

Xico, velho mestre, nesse périplo semanal como cronista, entre prazos apertados de entrega, temas diversos que dificultam a escolha, e dezenas de outras demandas,...

O PNLD Literário e a censura

Recentemente fomos “surpreendidas” pela censura feita por operadoras da educação no interior do Rio Grande do Sul e em Curitiba a um livro de...
-+=