A vitória de Pirro da Rede Cegonha

por Fátima Oliveira,

Afinal, o que quer o governo com a saúde da mulher? Seis meses já se foram e ainda não atinei para onde o governo quer ir. Nessa toada, nos restará chorar o leite derramado e as pitangas também? E, no frigir dos ovos, as perdas políticas, que ferem as lógicas republicana e democrática, serão incomensuráveis?

Na saúde da mulher, há um patrimônio considerável, construído pelo feminismo e profissionais da área, que não é razoável que vá para a lata de lixo. Logo, é inaceitável o tratamento a pão sem água dispensado pelo Ministério da Saúde a quem luta pela saúde integral da mulher.

É imaturidade um governo achar que só sua cachola pensa. Mas não é estranho, pois um desvio em governos do PT é que acham que sabem tudo do que o povo precisa e isso só lhes basta! Pura arrogância.

Como pode o MS não buscar uma rota real de diálogo? É hora de ouvidos afinados e olho no olho, com humildade republicana, sem empáfias. Se pessoas e instituições “amigas do governo” não são consideradas naquilo em que mais podem contribuir, estão querendo sinalizar o quê?

Um governo que não vê que os movimentos sociais estão insatisfeitos e não busca ouvir de corpo presente do que se trata adota postura suicida. Retomar os espaços de concertação do MS e não fazer ouvidos de mercador é prudentíssimo! Todavia, o MS optou por construir vitórias de Pirro. E, pior, não se habilita a extrair lições delas!

Relembro. Registra a história que Pirro (318-272 a. C.), rei de Épiro e da Macedônia, contava com um exército de 3.000 cavaleiros, 2.000 arqueiros, 500 fundeiros, 20 mil tropas de infantaria e 19 elefantes.

Pirro entrou para a história quando, na batalha de Ásculo, na qual os romanos perderam 6.000 guerreiros e ele, 3.500, ousou dizer aos seus generais: “Mais uma vitória como esta e estou perdido”. Constatou que vencera, mas a um custo exorbitante, e que aquela vitória prenunciava a derrota. Desde então, vitória de Pirro significa conquista com esforço demasiadamente penoso e enfraquecedora de quem vence.

A Portaria nº 1.459, de 24.6.2011, institui no SUS a Rede Cegonha como “uma rede de cuidados que visa assegurar à mulher o direito ao planejamento reprodutivo e a atenção humanizada à gravidez, ao parto e ao puerpério, bem como à criança o direito ao nascimento seguro e ao crescimento saudável”.

Em que pese ter expurgado o conceito de saúde materno-infantil, curvando-se às evidências de que mulher e criança são entes autônomos, registra-se uma vitória de Pirro, por conta da maquiagem borrada: o silêncio sobre 1/4 das mortes maternas, as por abortamento inseguro; e a dificuldade do MS de encarar que ainda falta muito para retomar a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PNAISM). Ou o silêncio é homenagem à Santa Sé?

O feminismo obteve uma vitória ideológica (não de Pirro!) em situação adversa, pois há um recuo conceitual e político expresso na portaria, ao definir a Rede Cegonha como rede de cuidados – nem mais, nem menos -, sem messianismos e mágicas; e admite que não inventou a pólvora, ao recuperar nos considerandos ações e políticas anteriores, explicitando que não havia um vazio no tocante à mortalidade materna.

Espero que tenham descoberto que prefeitos e governadores não executam as políticas não porque não existem, mas por falta de vergonha na cara mesmo – fato que só uma Lei de Responsabilidade Sanitária os cerceará e tornará Dilma inesquecível para o povo.

Eis o maior papel que cabe ao ministro Padilha protagonizar.

Fonte: em O TEMPO

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