Abayomi: nossas bonecas originais

HORA DE HISTÓRIA

Quando conhecemos a origem, a raiz de algo, damos mais força e valor a ela, não é?

Enviado por  Dandarinhas Abayomi via Guest Post para o Portal Geledés 

Bom, as Abayomi tem uma história muito linda, que começa bem antes de todos nós nascermos, é uma história de um significado rico e forte, que deve ser lembrada eternamente.

Há muitos e muitos anos atrás, havia um povo lindo, de pele negra como a noite, sorriso iluminado como as estrelas e olhar encantador como a lua. Eles viviam livres, tinham suas famílias, amigos. Haviam muitas crianças, mulheres fortes e alegres, que cantavam, dançavam e saudavam a natureza de forma ímpar e respeitável. Tudo caminhava em paz naquele local, eles tinham o direito de ir e vir, plantar, colher e comer, tinham terras, casas e nada ali faltava.
Eis que um dia e por vários dias aquele lugar foi invadido por pessoas diferentes que tinham nas mãos algo que ceifava vidas e espalhava o medo, a destruição e o pavor, as crianças e os adultos estavam perdidos, amarrados, famintos, impotentes e um a um era jogado dentro de navios sujos, apavorantes e que tirariam daquele povo vivo a vida! Pra onde iriam, pra que, porque? Eles não sabiam, apenas eram jogados e largados ali. Apanhavam muito e adoeciam devido sujeira, fome e doenças que se espalhavam. Era muita dor! Os adultos eram jogados no mar, as crianças perdidas muitas vezes das mães choravam, pediam socorro e acalanto.

Esse povo tinha uma força surreal, pois mesmo em meio a tanta dor, humilhação e sofrimento eles chegavam vivos, cuidavam dos mais fracos, pois tinha esperança que o coração daqueles que causaram tamanha dor não seria capaz de mais atrocidades.

As mulheres, ah as mulheres e sua incrível capacidade de amar, sentir e cuidar criaram a ABAYOMI. Uma pequena boneca preta, sem traços, com muita delicadeza e pureza, feita com pedaços das saias das mulheres que conseguiam sobreviver, sentadas ali elas amaravam as pontas, faziam tranças, vestiam roupas e conseguiam se desvincular daquele sofrimento e oferecer algo significativo. Essa talvez seja a parte mais forte, a boneca é vista como um amuleto de sorte, um pedaço de pano carregado de amor que traria felicidade e elas deixavam de lado sua dor pessoal para fazer algo que traria felicidade a alguém. Não tinha tesoura, cola, costura, não tinham paz, mas tinham mãos cheias do amor puro que aquele povo sentia por eles mesmo, eles se cuidavam. As crianças brincavam ali, podia vivenciar a infância que em breve seria totalmente roubada.

Quando falamos de representatividade, pra além das grandes marcas (como as de maquiagem que “inovam” ao lançar produtos pra nossa pele ou de roupas que lembram da existência de modelos negras), temos que lembrar dos pretos e pretas que botam a mão na massa e que muitas das vezes ganham pouca ou nenhuma visibilidade pro seu trampo.

Vimos a pouco tempo muita gente compartilhando o link do garoto que ficou feliz ao se ver representado num boneco de Star Wars dizendo que é pretinho igual a ele, vimos também o lançamento das tão sonhadas bonecas Barbie negras que não chegaram tão cedo nas mãos das crianças negras das periferias (nem as brancas chegam) e esquecemos muitas vezes de valorizar as bonecas que carregam a nossa história, as primeiras bonecas que nossos ancestrais tiveram acesso, das bonecas que fogem dos padrão irreal que são vendidas hoje em dia, reafirmando a necessidade de sermos nós por nós – porque se formos esperar da grande indústria algo que não seja mera apropriação cultural ou oportunismo, seguiremos sem ver nossas crianças brincando com algo que elas se identifiquem.

As abayomis carregam um pouco de nós (e nós), de nossas mães e pais que já brincaram com bonecas de saco de pano, de retalho. Além de todo esse resgate cultural, a Abayomi é uma técnica que pode e deve ser usada dentro de sala de aula, em atividades que tinham como objetivo abordar de forma significativa, lúdica e afirmativa a lei 10.639, pois elas são fáceis de fazer e carregam significado.

Hoje eu faço as Abayomi, que denominei Dandarinhas em diversos modelos e objetivo maior não é ganhar dinheiro e sim espalhar a sorte e a alegria por onde eu passasse através delas. É por amar a cultura negra que faço as Abayomi, é por acreditar que as crianças devem amar, cuidar e brincar com bonecas de pano preta que dou vida à elas com todo amor do mundo e é por saber do valor e da resistência que essa técnica carrega que semeio a importância dela em nosso meio.

A Abayomi, em especial as Dandarinhas não são produtos, e sim uma memória dos nossos ancestrais que deve ser respeitada e valorizada, pois ela carrega a história sofrida dos nossos antepassados.

https://www.facebook.com/danda/rinhas.abayomi/?ref=hl

 

+ sobre o tema

‘O racismo deixa marcas na alma’

Belo-horizontina e médica, Júlia Rocha tem sido alvo de xingamentos...

Homenageada com poemas e cantos, Conceição Evaristo lança sexto livro

Premiada e traduzida, Conceição Evaristo virou referência para autoras negras, mas...

“Navio Atavos” sugere reflexão sobre a ancestralidade afro-descendente

Exposição gratuita pode ser conferida até 22 de setembro. Do...

para lembrar

Jovem preta é afastada de bebê após nascimento em maternidade de Florianópolis

Manifestantes fizeram um ato na tarde desta sexta-feira (30),...

Pelourinho recebe Festival de Afoxés em homenagem a mulher negra

Um desfile de cores e ritmos marcou a noite...

Primeira prefeita negra eleita, Tânia Terezinha quebra preconceitos

O município de Dois Irmãos, no Vale do Sinos,...
spot_imgspot_img

Peres Jepchirchir quebra recorde mundial de maratona

A queniana Peres Jepchirchir quebrou, neste domingo, o recorde mundial feminino da maratona ao vencer a prova em Londres com o tempo de 2h16m16s....

O futuro de Brasília: ministra Vera Lúcia luta por uma capital mais inclusiva

Segunda mulher negra a ser empossada como ministra na história do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a advogada Vera Lúcia Santana Araújo, 64 anos, é...

Ela me largou

Dia de feira. Feita a pesquisa simbólica de preços, compraria nas bancas costumeiras. Escolhi as raríssimas que tinham mulheres negras trabalhando, depois as de...
-+=