Abdias Do Nascimento: Um Homem Que Superou O Racismo Brasileiro

por Sergio da Silva Martins

O racismo como toda espécie de dominação tenta aprisionar a grandeza humana em um ser patético, alienado de sua própria realidade, que vagueia em um círculo de auto -compadecimento, reproduzindo o discurso de dominação, inserido em uma vida miserável, repleta de violações dos direitos humanos fundamentais. Entre outras coisas, o que há de pior de racismo é apropriação da subjetividade do sujeito, retirando deste sua condição humana. Em suma, o racismo tenta roubar sua alma.

O mestre Abdias do Nascimento não permitiu que o racismo brasileiro lhe roubasse a alma, com sorriso de menino e um vigor agudo na defesa intransigente dos afro-brasileiros contra a discriminação racial, inscreveu sua vida na história de resistência e enfretamento do racismo á moda brasileira. Abdias ingressou na frente Negra, na década 30, porém foi em Lima, no Peru, em 1941, que ao assistir uma peça, onde o ator principal pintado de negro encenava a figura principal no drama “O imperador Jones”, de Eugene O’Neill, que o mestre, ainda economista, inconformado com a tragédia da invisibilidade do negro real, no Brasil e nas Américas em suas palavras decidiu: fazer alguma coisa para ajudar a erradicar o absurdo que significava para o negro e os prejuízos de ordem cultural para o meu país.

Surge então, o inovador e provocador Teatro Experimental do Negro-TEN, sem dúvidas um grande momento de reconstrução do imaginário das vítimas do racismo, a partir dos próprios sujeitos descontruídos. Uma tarefa árdua, superar o atraso na dramaturgia nacional, marcada pela representação folclórica dos afro-brasileiros e ao mesmo tempo dar expressão aos invisíveis inseridos em um sub-mundo de existência material.

Assim fala o mestre: “Tarefa difícil, quase sobre-humana, se não esquecermos a escravidão espiritual, cultural, sócio-econômica e política em que foi mantido antes e depois de 1888″, (1997:229-Thoth).

Relata Abdias em Teatro Experimental do Negro: Trajetória e Reflexões, os desafios,(1997-Thoth), que logo no inicio o TEN recebeu cerca de 600 (seiscentas) pessoas afro-brasileira para o curso de alfabetização. Daí conclui o mestre que a luta contra o racismo, em solo pátrio necessita de várias trincheiras: ” …era urgente uma ação simultânea, dentro e fora do teatro, com vistas à mudanças da mentalidade e do comportamento dos artistas, autores, diretores e empresários, (…..), necessitava-se da articulação de ações em favor da coletividade afro-brasileira discriminada no mercado de trabalho, habitação, acesso à educação e saúde, remuneração, enfim, em todos os aspectos da vida na sociedade. (1997:243-Thoth).

Mas Abdias não para por aí, já na condição de Senador da Republica, na década de 90, introduz no Congresso Nacional o debate sobre a necessidade de adoção de ações afirmativas. No projeto de lei nº 75 de 1997, propõe o estabelecimento de cotas para inclusão de homens e mulheres negras no mercado de trabalho, nas instituições de ensino, no Itamaraty e nas forças armadas. Para o mestre, para além da criminalização do racismo teríamos que avançar no crescimento humano dos afro-brasileiros, atraves do acesso às oportunidades concretas, assim manifesta-se em seus pronunciamentos no Senado Federal:

“….A total reversão da imagem negativa do negro passa também por sua ascenção econômica e seu acesso ao poder político. Mas não é tudo. É preciso também que o negro tenha acesso paritário aos meios de comunicação de massa. Sem isso, a percepção social do negro continuará submetida ao poder decisório dos responsáveis pela mídia”(1987: 112 -Thoth).

Sem dúvidas, está no TEN e na agenda proposta pelo mestre Abdias do Nascimento, sobretudo no resgate da figura de Zumbi de Palmares e na retomada das reflexões sobre o quilombismo, a origem de nossas reivindicações plasmadas nos documentos preparatórios da Conferencia Mundial contra o Racismo/Durban, (2001). Abdias, cumpre os princípios adinkra, em especial o sankofa que significa “nunca é tarde para voltar e apanhar aquilo que ficou atrás” , demostrando que como homem negro brasileiro jamais deixou de ser também africano. Sua obra artística são as mais dignas expressões da construção desta identidade etno-racial.

Preso, exilado, o mestre Abdias não desistiu da luta contra o racismo, e não abriu mão da vida, onde se expressou através de várias faces: poeta, escritor, ator, político engajado, pai, marido, etc… A sua condição humana floresceu no enfrentamento daquilo que tentava desumanizá-lo: o racismo. Para o Brasil, a memória e produção teórica de Abdias do Nascimento deve fazer parte do patrimônio nacional entre os pensadores que contribuíram para compreensão da cultura política brasileira.

Entre nós, Abdias do Nascimento deve ser lembrado e homenageado como um grande lutador pela liberdade humana contra o racismo, para além de nossas fronteiras, ao lado da figura emblemática de Nelson Mandela, como um ser humano que rejeitou a usurpação da condição humana por quaisquer ideologia de dominação racista.

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