Aborto na Colômbia: ‘Enquanto abortava, mulheres davam à luz do meu lado’

FONTEDe Universa, por Luciana Taddeo
(Foto: Nathalia Angarita/UOL)

“Sempre apoiei a legalização do aborto, mas interromper uma gestação não é uma decisão fácil. No meu caso não foi, e acho que não é para a maioria das mulheres. Soube da minha gestação na quinta semana, com testes de farmácia.

Fui a um clínico geral de uma EPS (Empresa Prestadora de Saúde), do sistema público, para poder fazer exames e confirmar a gravidez. Estava preocupada, porque usava substâncias psicoativas e, naquela época, tinha tido muita exposição a bebidas alcoólicas.

O médico usava a palavra ‘bebê’, nunca me perguntou se eu queria continuar com a gravidez e mandou eu ir a um psiquiatra.

Fiz o exame de gravidez no hospital, deu positivo e, numa nova consulta, uma doutora falou com clareza sobre alguns riscos que poderia haver, mas ainda sem me oferecer a opção de interromper a gestação.

Meu namorado trabalhava em outro estado, e estávamos com problemas no relacionamento. Quando contei, ele disse que me apoiaria no que eu decidisse. Mas a relação já estava complicada, e acho que isso influenciou na minha decisão.

Eu já tinha feito uma interrupção aos 22 anos, quando o aborto ainda não era descriminalizado. Estava na faculdade, lembro que tinha acabado uma relação e tive de pedir dinheiro emprestado. Fui a uma clínica particular, bem cara, que atuava com base na lei que prevê a interrupção para a saúde da mulher —e uma gravidez não desejada coloca em risco a nossa saúde mental.

Desta vez, fui encaminhada a uma EPS que atende gestantes. Lá, eu disse para a enfermeira que tinha dúvidas sobre continuar ou não com a gravidez, pelos riscos que poderia ter. Como a Corte Constitucional da Colômbia tinha descriminalizado o aborto havia apenas alguns dias, foi uma surpresa quando ela mencionou a opção da interrupção, sem estigmatizar ou questionar.

‘Não me deram a opção de tomar comprimidos’

No mesmo dia, recebi a ligação de uma pessoa da clínica onde eu faria a interrupção, mas a experiência foi terrível. A pessoa foi grosseira, disse que eu teria de estar lá na segunda-feira seguinte e que passaria o dia inteiro no hospital. Mas eu não conseguiria me organizar a tempo para faltar ao trabalho.

Ela não me deu a opção de fazer em casa com comprimidos, que é um dos métodos disponíveis. Disse que seria interrupção cirúrgica, sem nem explicar no que consistia o procedimento.

Quando perguntei como seria, ela disse que era melhor eu pensar e depois falar com o profissional no hospital. Senti que estava me julgando, foi muito ruim. Esse tema ainda é tabu na Colômbia e, apesar de atuar em uma organização de direitos humanos, não posso simplesmente dizer que não vou trabalhar porque vou interromper uma gestação. O peso de tomar essa decisão é enorme, e acho fundamental que cada etapa tenha um acompanhamento psicossocial.

Eu sabia que, se fosse continuar com esse processo, não poderia ser naquelas condições. Questionando a pressa e a limitação de opções, voltei para uma consulta com a enfermeira que me atendeu bem. Disse a ela que não queria continuar a interrupção daquela forma. Caso contrário, preferia ir a um hospital particular, apesar do alto custo, para não colocar em risco meu bem-estar e a minha saúde.

‘Profissionais não deveriam se manifestar a favor nem contra’

Ela, então, pediu que eu escrevesse uma carta para registrar uma queixa pelo episódio, que, para mim, foi totalmente contra os direitos das mulheres. Os profissionais não deveriam manifestar posição nem a favor nem contra, deveriam simplesmente oferecer um atendimento adequado.

Com a ajuda dela, um hospital particular que tem aliança com o sistema público entrou em contato comigo, e a doutora que assumiu meu caso me explicou que eu não precisava decidir imediatamente, que ainda dava para esperar alguns dias, já que eu também considerava a opção de não interromper a gestação.

Tinha dias em que eu pensava: ‘Sim, vou ter’. Em outros achava que não. Foi difícil. Mas esse tratamento humanizado, com todas as informações sobre minhas opções e possíveis riscos, com total sinceridade, me deu tranquilidade e me permitiu tomar uma decisão mais consciente e segura.

Agradeço muito a essa doutora por ter me dado tempo para pensar a respeito. Depois de cerca de 15 dias, decidi interromper com aspiração manual intrauterina na clínica, porque, àquela altura, já estava com nove semanas e fiquei com mais medo.

Os profissionais foram excelentes, mas o hospital estava cheio e parecia não ter capacidade para atender casos como o meu. Esperamos na mesma sala em que as mulheres estavam parindo. Acho que, se alguém chegasse com dúvidas, sairia correndo, porque estava esperando para fazer uma interrupção e, ao lado, a três leitos de distância, tem uma mulher dando à luz.

Acabam provocando um dano sem querer. Não é saudável para quem vai fazer esse procedimento, e o entorno torna o processo mais difícil. De fato, aquele ambiente me saturou, tive que sair. E, por estar em jejum e medicada, acho que misturou tudo. Até vomitei.

Diferença de tratamento

Também acho que deveria haver uma uniformização do atendimento, com equipes capacitadas, porque ficou clara a diferença de tratamento entre as instituições. E foi fundamental ter podido refletir: se eu fosse no ritmo do primeiro hospital, teria ficado com dúvidas.

Ver que a decisão judicial já está surtindo efeito no atendimento de saúde das mulheres foi surpreendente, já que neste país há pouco reconhecimento dos nossos direitos.

O pós-operatório foi tranquilo. Nos dias posteriores tive um sangramento, mas era normal. Em uma semana voltei para exames, e estava tudo bem. No dia seguinte já fui trabalhar, apesar da dor nas costas por causa da anestesia.

Não contei para os meus pais, só para duas amigas muito próximas, que me apoiaram mais do que meu namorado. Certamente, mais para a frente serei mãe, mas em uma situação diferente, em que isso realmente me traga um bem-estar e não seja um peso. Hoje, me sinto tranquila, e todos os dias volto a concluir que tomei a melhor decisão.”

P. A., 28 anos, assistente social em Bogotá

Nota: O nome foi preservado a pedido da entrevistada

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