O que mais chamou a atenção no episódio do cabelo do personagem que será o filho adotivo de um casal de classe média alta na novela “Amor à vida” é o incômodo do autor da trama, Walcyr Carrasco. Primeiro argumentou que o menino negro adotado terá o cabelo cortado porque o estilo “black” não seria aceito por famílias de classe alta que adotariam uma criança. Depois, disse que várias pessoas criticaram uma criança com estética negra sendo adotada por uma família branca. E, com o argumento de que “quer um personagem que seja aceito, resolveu mudar o cabelo da personagem”. E, ainda confrontado com as críticas do movimento anti-racista, disse que se não quiserem assim, simplesmente tira o personagem e pronto.
Este exemplo é típico de como certas pessoas reagem quando se aponta o racismo. Não aceitam, não querem, não dialogam. E depois dizem que no Brasil não existe racismo. E que nós, negros que denunciamos o racismo, somos paranóicos e vemos racismo em tudo. E que queremos condenar até o grande Monteiro Lobato! Alguns vêm até com aqueles argumentos de que o Brasil tem até um negro como presidente do Supremo Tribunal Federal (grifo meu).
No fundo, o que estas pessoas querem dizer é o seguinte: que nós negros já conquistamos muita coisa e que devemos ficar quietos. Já temos UM ministro no STF! O Monteiro Lobato, coitado, é fruto de um contexto (e o Hitler também não é fruto de um contexto?). Cotas é um absurdo porque é fruto do discurso do “coitadismo”, de uma pretensa “incapacidade” (como se vestibular medisse apenas capacidade).
Tenho recebido emails, mensagens e comentários, alguns até agressivos neste diapasão. Normal. O Brasil é uma sociedade em que o racismo é estrutural, isto é, modelou os comportamentos, as atitudes, os pensamentos de uma grande parte das pessoas. Garantiu privilégios maiores ou menores a determinados grupos, mesmo entre as classes subalternizadas. Apontar o dedo e exigir comportamentos anti-racistas implica em tirar as pessoas da sua zona de conforto. Incomoda. Faz repensar. E os dados da PNAD do IBGE e do Mapa da Violência que mostra o índice maior de violência contra negros e a permanência das desigualdades sociais entre brancos e negros objetivamente mostram que estamos muito longe de uma equidade racial. Só não vê quem não quer. Ou não quer sair da sua zona de conforto.
Fonte: Quilombo