Advogada preta e a subhumanidade do racismo

Ser advogada negra neste país e se colocar na posição profissional que escolheu para si carrega o peso inexorável do racismo. Compreender como a roda do racismo estrutural e estruturante do judiciário trabalha conosco, povo preto, profissional e operador do direito no país é ver o link da asa da borboleta até o furacão que acaba sendo o ousar exercer a profissão.
Por Thayná J. F. Yaredy, do Justificando 
Valéria dos Santos. Foto: Bruno Marins/OAB RJ.
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Bom, se você não for esse ser humano no melhor estilo Pope, falando cerca de 8 idiomas, tendo estudado nos melhores colégios e cursado a melhor universidade com o cabelo “”domado”” esqueça, você certamente não vai fazer parte de uma equipe de um grande escritório ou um escritório conceituado.
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Há de se ver que o muro pré histórico que se põe diante de nós vem antes do lugar que ocuparemos na mesa de audiência.
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Passado este início, se você é o cara preto, a mina preta, advogada que deseja realmente encarar a profissão, saiba desde já que, para além de não ser fraco (como diz a famosa frase de Abreu citada por todos) você também terá de ter aquele cuidado e manter a esquiva cotidiana acerca das situações de racismo que pode e, com certeza passará.
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Ser inquirida todas as vezes que tenta entrar no fórum criminal para exercer sua atividade laborativa, participar do jogo “aaaa, então você é advogada?? ahhhaaammmmm…. então me mostre sua OAB!” tam tam tam…
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Ser a pessoa que vai contar isso aos colegas que ficam entre consternados e desacreditados e, pela camaradagem daquele bom trabalhador que vêem todos os dias na labuta vão questionar “mas é porque tu não vai lá sempre…”
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Saber que o melhor será pegar casos em que não exista chance de fazer audiência e, caso venha a ter essa infelicidade, não poder ir só, precisar sempre pensar na companhia de um outro profissional.
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Ser mulher, ser negra, ser advogada é ser questionada todos os dias da sua qualidade e capacidade de exercer aquele trabalho. É ser questionada sempre sobre os valores de honorários, levar nas costas a sua empresa de si e, muitas vezes, ouvir numa mesa que não fossem as novas políticas inovadoras daquele escritório no qual você está buscando uma vaga (que certamente não conseguirá) você não estaria nem ali.
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O racismo tem partículas peculiares e se manifesta nos lugares em que buscamos a qualidade de um ser humano completo.
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Ver um advogado, candidato às eleições, baleado, sangrando e machucado por ato da truculência de uma polícia patrimonial e notar a invisibilidade dessa ação – e o desdém social que todo esse ataque a democracia foi – é ver exatamente o não lugar do negro também na possibilidade de exercer sua atividade laborativa.
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É incrível e, neste mundão, tem gente que ainda tem a cara de pau de dizer que, gente como eu não trabalha.
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O esforço que se faz todos os dias para ter tanto valor na profissão como qualquer outra pessoa que está ali exercendo sua capacidade postulatória, querer ser um profissional conceituado e tudo o que vem com isso, para nós, tem o peso de buscar mais, acima de tudo, nossa humanidade.
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Sigo lamentando minha profissão. Mas sem susto.
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Preta, mulher, advogada e mãe, vim mesmo do chão, da rua, desse povo que é execrado, é de lá que vim e para lá que olho quando trabalho, quando comunico, quando advogo e sigo sabendo o preço que pago pelo atrevimento do estudo e do livre pensar.
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Somos e seremos muitos mais lutando a partir desses lugares.
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Não chorem racistas, estamos chegando!
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Thayná J. F. Yaredy é Advogada autônoma na empresa Yaredy Advocacia e mestranda na  UFABC – Universidade Federal do ABC .
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