Advogado de assassino irá alegar Síndrome de Misoginia Involuntária para conseguir absolvição de cliente

Vamos relembrar o caso. Em março de 2013, Simone Lima, uma professora de 27 anos, foi esfaqueada por um estudante na sala dos professores na Escola Estadual Professor Joaquim de Toledo Camargo, em Itirapina (a 227 km de São Paulo). De acordo com a Polícia Militar, Simone estava na sala dos professores quando um estudante, Thomas Hiroshi Haraguti, de 34 anos, invadiu o local, empurrou um professor e deu sete golpes de faca na vítima. A professora foi socorrida, mas chegou ao hospital já sem vida. Na época do crime, a professora, que era órfã de pai e mãe, vivia com uma das irmãs. Ela dava aulas de português como professora substituta na escola há cerca de três anos.

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O estudante, que participava do programa de EJA (Educação de Jovens e Adultos), foi preso poucas horas depois e confessou o crime. Ele estava escondido em um canavial próximo a um resort na zona rural da cidade. Na fuga ele deixou cair a bainha da faca e o celular.

“Para a Polícia Civil, o motivo do crime teria sido passional, já que o estudante era apaixonado pela docente. A irmã da vítima, Silmara de Lima, disse na época que essa seria a única hipótese para o que aconteceu. ‘Eu acho que era um amor platônico que ele tinha por ela e como não era correspondido resolveu se vingar dessa forma monstruosa que abalou a cidade inteira’. Na ocasião, o setor de comunicação social da Delegacia Seccional de Rio Claro divulgou uma nota informando que, no interrogatório, o homem disse que ‘tinha bronca da professora, que se sentia humilhado e praticou o crime por ódio, porém, não explicou com detalhes os motivos’.” G1.

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Então, transcorrido mais de um ano a Justiça de Itirapina condenou, na última terça-feira (23), Thomas Hiroshi Haraguti a 16 anos e oito meses de prisão pelo assassinato de Simone de Lima. A família da professora não ficou satisfeita com o veredito, “Foi um crime bárbaro. Esperávamos uma punição maior. A morte dela foi e vai ser pra sempre muito sofrimento para nós“, lamentou Carla Fernanda de Lima, irmã da vítima.

Haraguti foi acusado de homicídio duplamente qualificado – quando o crime ocorre por motivo fútil e sem chance de defesa da vítima. No entanto uma das qualificadoras, o motivo fútil, foi afastada, o que acabou reduzindo a pena do acusado. Baseada na exclusão de uma das qualificadoras, a advogada assistente de acusação, Luzia Helena Sanches, afirmou que a pena foi justa. No entanto, a acusação esperava pelo menos 20 anos. “Juridicamente a pena foi justa, uma vez que uma das qualificadoras foi afastada, mas nós queríamos uma pena mais alta, que estivesse de acordo com o anseio da família da vítima“, disse a advogada.

Até aqui tudo bem, mas eis que o advogado de defesa, Álvaro Francisco Marigo, entrou em cena e informou que vai recorrer da sentença. Álvaro afirma que o réu deveria ter sido absolvido por sofrer de Síndrome de Misoginia Involuntária – quando uma pessoa sofre de verdadeiro ódio por outra, especialmente por uma mulher, o que pode levar a um crime. “Nós estávamos prevendo a absolvição. Ele tem bons antecedentes e é réu primário. Nós entendemos que ele sofreu da Síndrome de Misoginia Involuntária. A lei prevê que ele seria inimputável”, explicou.

Alguns podem até achar que o último paragrafo é uma piada. Uma piada de mal gosto, mesmo assim uma piada. Lamentavelmente não é uma piada, veja a notícia aqui. Vamos aos fatos, desde que este blog foi criado, em junho do ano passado, que venho denunciando as inúmeras violências que vitimam milhares de mulheres todos os anos. Vou deixar mais claro do que estou falando; de acordo com estudo preliminar do Instituto de Política Econômica Aplicada (Ipea), estima-se que entre 2009 e 2011, o Brasil registrou 16,9 mil feminicídios (mortes de mulheres por conflito de gênero), especialmente em casos de agressão perpetrada por parceiros íntimos, 5,8 casos para cada grupo de 100 mil mulheres. Entre 2001 e 2011, estima-se que ocorreram mais de 50 mil feminicídios, o que equivale a, aproximadamente, 5.000 mortes por ano.  Dados contidos no Anuário de 2013 revelaram o registro de 50.617 estupros. No entanto, estima-se que os números de estupros podem ser até três vezes maiores, pois somente uma a cada três vítimas denuncia a agressão. Então, na verdade, teríamos tido de fato 151 mil casos de estupros em 2012.

E tem mais, 11% das brasileiras com 15 anos ou mais já foram vítimas de espancamento. Nesses casos o marido ou companheiro é responsável por 56% pelas agressões (Fundação Perseu Abramo). Os dados expostos acima são contundentes e extremamente relevantes quando se tem a intenção de se discutir a misoginia enquanto sentimento coletivo irracional de ódio pelas mulheres.

Além de uma cultura eminentemente misógina, tem-se nesse Estado a misoginia institucionalizada, seja quando dentro da própria Delegacia de Defesa da Mulher as denúncias de violência são negligenciadas e as mulheres constrangidas pelos policiais, ou quando a violência obstétrica é cometida impunemente em todas as maternidades do país. Entretanto, nada legitima mais a misoginia que o Estado, através do aparato judicial, que premia os feminicidas, estupradores ou agressores com a impunidade. 

Vejam se não é premiar o agressor a situação revelada pelos dados a seguir;somente em 2012, foram registrados 197feminicídios, 9.716 lesões corporais, 24.500ameaças e 1.492 estupros apenas aqui no Ceará. Infelizmente, o resultado dessas agressões foram 7.781 boletins de ocorrência registrados, onde apenas 2.019 resultaram em inquéritos policiais, 2.435 medidas protetivas, e pasmem, apenas 348 prisões.

Depois da exposição dos dados acima me cabe um questionamento: Os números apresentados não são suficientes para denunciar a gravidade da violência de gênero no país?

Parece-me que não. Temos uma cultura seriamente misógina e descaradamente institucionalizada pelo Estado quando nos deparamos como uma manobra com a intenção tornar direito o que já parece legítimo, o ódio às mulheres.

Não vou nem me alongar em questionamentos sobre a existência ou não da tal Síndrome da Misoginia Involuntária porque essa discussão, nesse caso, não é relevante. O que é relevante a alegação que um crime de ódio seja inimputável e que por isso um assassino, que se reivindica misógino mereça voltar par o convívio social. Não sou bacharel em direito e por isso posso está errada quanto ao meu julgamento, mas imagino e espero que um indivíduo que cometa um crime de ódio deva responder por ele com agravante. Ou seja, que ele tenha sua pena aumentada por conta disso. O que vemos nessa manobra é justamente o contrário, o cara quer usar o ódio como um fator passível de inimputabilidade. É um paradoxo tremendo, num caso como esse o indivíduo deveria ser mantido longe do convívio social para evitar que venha a matar novamente. Mas não me admira que esse caso sofra uma reviravolta e o assassino acabe solto e isso abra precedente para que outros feminicidas entrem com a mesma alegação para serem absolvidos.

A manobra do advogado de defesa é uma grave afronta aos direitos humanos, principalmente os das mulheres e suscita uma reação à altura, não só uma resposta da sociedade no sentido de repudiar a sua postura como também iniciar uma séria discussão sobre a situação da mulher na conjuntura atual, de violência e violação de seus direitos. Acho que atingimos o ponto inflexão. Acredito que chegou o momento de ruptura com a cultura de tolerância com a violência contra a mulher e com a impunidade dos crimes de assassinato, violência doméstica e todos os outros decorrentes de misoginia.  Inclusive, já passou da hora dos senadores aprovarem o projeto de lei (PLS 292/2013) que insere no Código Penal (Decreto-Lei nº 2.848/1940) o crime de feminicídio como qualificadora do crime de homicídio. Chegou a hora de fazer valer os diversos Pactos, Convenções e Acordos internacionais de erradicação da violência contra a mulher.

 

 

Fonte: Amélia é a mãe!

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