“Afrolatinidade pra mim é aquilo que envolve memória, diversidade, luta, resiliência e indicativos de uma vida melhor para nossa gente. A latinidade é também negra”.
Do SoteroPreta
Ele é psicólogo, psicoterapeuta e doutor em Psicologia Social, atua na área de Saúde Mental, Psicologia Comunitária e Educação. E vai lançar – em Salvador – seu livro “Tradição e apropriação crítica: metamorfoses de uma afroamericalatinidade”, no próximo dia 14 de julho na Katuka Africanidades (Pelourinho). Estamos falando de Alessandro De Oliveira Campos, que traz em sua obra uma análise da tradição e apropriação crítica a partir de uma interlocução pautada pela afrolatinidade de Brasil e México. Ele conversou com o portal SoteroPreta, confere:
Portal SoteroPreta – Como se deu a escrita desta obra, o que a fundamentou?
Alessandro De Oliveira Campos – Esse livro é o resultado de minha pesquisa de doutorado. A escrita é aquele caminho continuo com etapas animadores e as vezes sobrecarregada e árdua. Ela se baseia na ideia de que a tradição pode e deve ser a apropriada por aqueles que a vivem de maneira crítica. Ela pode ser percebida de modo reflexivo e arguitivo sem temor de questionamentos. A tradição tende a dois entendimentos mais comuns.
Um que é ela uma maneira de atualizar o passado no presente, e a outra que é a prática de compartilhamento de usos e costumes, ou seja a divisão daquilo que faz sentido aos seus membros e os modos de pertencimento. Está presente aspectos da identidade, a memória, a oralidade, os mitos e ritos, e um bocado de coisas mais que organizam a vida comum e compartilhada.
A psicologia social que busco praticar é essa alinhada a toda uma escola que existe com as camadas populares de nossa terra, que dialoga com a sabedoria popular e valoriza a existência em comunidade. Gosto de dizer que acreditamos em uma psicologia cabocla, caipira e quilombola.
Portal SoteroPreta – Como você descreve esta afrolatinidade pautada no Brasil-México que seu livro traz?
Alessandro De Oliveira Campos – Penso que a latinidade para o Brasil ainda é um tema caro. A ideia de que ser latino é o “espano hablante” é bastante limitada. Antes de mais nada a americalatinidade é um desdobramento de relações complexas que envolvem inúmeros processos de independência que ainda não terminamos de realizar. O que ficou entendido como panlatinismo é um acúmulo de diversidade e uma tentativa de encontrar seu próprio caminho. Não acredito em uma latinidade que também nao seja afro! A percepção de que a latinidade é apenas o encontro entre as matrizes indígena e europeia é equivocada. A presença da matriz africana foi negligenciada também nesse reconhecimento. A história nos ensina que – guardadas as devidas proporções territoriais e independentistas – não há lugar em que a presença negra não se faça notar no que se convencionou chamar de América Latina. O que busquei fazer no meu livro foi ampliar a interlocução entre o norte e o sul dessa afrolatinidade.
São quatro vozes: uma mulher indígena zapoteca de Juchitan e uma homem indígena mixe de Tlahuitoltepec do Estado de Oaxaca no México, e uma mulher negra mineira e um homem negro baiano. Eles compartilham seus entendimentos sobre as tradições que fazem parte da produção de análise de seus contextos e que compartilham generosamente de suas histórias de vida. Essas quatro vozes revelam que não há caminho único para a luta por reconhecimento de suas comunidades e trabalhos.
Portal SoteroPreta – De que apropriação você trata nestas relações?
Alessandro De Oliveira Campos – A ideia de apropriação é uma constante elaboração da crítica. Ela não pode se dar ao luxo de não ser reflexiva. Tomar algo para si sem entender minimamente o seu significado e seu percurso é ocorrer em risco de ser negligente e invasivo. Os processos de colonização que nos afetam ainda se fazem notar em nosso cotidiano. São processos que criam hierarquias no convívio e nos espaços de destaque de nossa sociedade. Isso representa na prática os muitos privilégios de alguns e os abandonos de muitos.
Eu, como homem numa sociedade machista, preciso no mínimo pensar sobre meus privilégios enquanto membro de uma sociedade que produz hierarquizações de gênero. Superar o machismo é interessante para os homens pois já de cara os libera de uma papel social falso de que são superiores às mulheres. Isso serve para as pessoas brancas também. O que é ser branco numa sociedade racista como a nossa? A pessoa pode se considerar não racista e etc, pode ser inclusive aliada de causas e lutas antirracistas protagonizadas por negros, mas não pode evitar os privilégios que sua brancura lhe garante no cotidiano.
O racismo é um problema dos brancos também! Isso é o que envolve apropriação. Quando alienada, é indevida, mas quando crítica é instrumento para emancipação. A apropriação crítica da tradição que aposto é capaz de sustentar sentidos emancipatórios mesmo que diante de fragmentos contraditórios. Não se trata de produzir santos e pessoas sem contradições, mas de dimensões suficientemente maduras para identificá-las e metamorfoseá-las. Apropriação crítica que trata de aceitar os paradoxos da vida e da desafiante partilha das alegrias e frustrações do mundo.
O lançamento acontecerá na loja Katuka Africanidades, tem curadoria da escritora Cidinha da Silva e começa às 18h, aberto ao público.