Em março tropecei com um artigo que encorajava a parar de ler livros escritos por homens brancos, heterossexuais e cisgêneros [“não trans”] durante um ano. Na hora, achei um exagero. Pensei: “Bom, eu leio muitas autoras, por exemplo”. Disse isso em voz alta. Meu parceiro me olhou. Levantamo-nos do sofá e fomos olhar lombadas nas estantes.
no El País
Olhamos uns duzentos livros até nos convencermos. Cerca de trinta tinham sido escritos por mulheres. Eu não podia acreditar.
Naquele momento eu decidi que, por um tempo, leria apenas livros escritos por mulheres. Eu achei mais fácil do que me por a averiguar se um autor ou autora é gay, negro ou transexual; para saber se é mulher, o nome costuma bastar. As mulheres são metade da população (além disso, “minha” metade!); leio cinquenta livros por ano, como é possível que eu quase não leia nada escrito por mulheres?
E lá fui eu para a minha pilha de livros a ler e primeiramente retirei os livros escritos por uma autora (12 de 40). Em seguida, pedi recomendações no Twitter. E a partir daí comecei, simplesmente, a prestar atenção e anotar nomes.
Já se passaram seis meses e li cerca de vinte títulos escritos por mulheres. Não tenho nenhuma data prevista para terminar essa pequena experiência, ainda falta tanto por ler! E isso não me custou trabalho algum. No começo pensei que seria muito difícil abrir mão dos meus autores favoritos, ou que me custaria encontrar boas autoras nos gêneros que eu mais gosto, como ficção científica; não aconteceu nada disso. Não sinto que esteja renunciando a algo, mas sim que se abriu diante de mim um panorama totalmente novo que me surpreende a cada dia.
Minha descoberta foi, sem hesitação, Alice Munro (que vergonha, “descobrir” uma vencedora do prêmio Nobel de 85 anos); passei todo o verão imersa em seus relatos, extremamente comovida com histórias que pensava que não poderiam me interessar de forma alguma (O Canadá rural do período entre guerras? Que chatice!). Na ficção científica, a vietnamita Aliette de Bodard escreveu-me um mundo pungente de naves espaciais astecas e colônias chinesas na América do Norte. As super-heroínas de quadrinhos de G. Willow Wilson e Kelly Sue DeConnick me fizeram rir e me deliciar como uma adolescente. Eu tenho, de repente, um punhado de escritoras novas que vou recomendando com entusiasmo a todo mundo por aí, e quando vejo algum título de um escritor que eu gosto, penso, “Bah! Haverá tempo…” e volto à minha mulherada.
(Cuidado, as escritoras não são seres de luz pura e também fazem livros péssimos, como a trilogia Divergente, que torna Jogos Vorazes uma obra-prima literária…).
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