‘Agora tudo é racismo, vocês são muito chatos’

Na terça-feira, 24, Gabriela Monteiro (foto), 26 anos, estudante de moda da PUC-Rio e sócia da marca de joias Exímia, relatou em seu Facebook casos de racismo que há alguns semestres ela vinha vivenciado em sala de aula por duas professoras do curso. A professora e coordenadora do curso de moda da PUC-Rio, Ana Luiza Morales, disse, assim que Gabriela entrou em sala, que tinha ido ao cinema e uma mulher negra com cabelo afro a atrapalhava a ver o filme. A segunda professora, Tatiana Rybalowski, estava dando orientação para uma aluna em sala. Ao perceber a presença da Gabriela parou o que estava fazendo e disse: ‘qual seu signo? Leão?’

Por , no Brasil Post 

O que a Gabriela relatou não é de hoje. São alguns semestres ouvindo isso dentro de uma universidade onde ela mesma disse “foi na PUC que compreendi que assumir minhas característica de mulher negra não era um problema.” Somente na terça-feira, quase um mês depois que encontrei Gabriela e ela me contou essas histórias, foi que ela resolveu colocar na internet.

O relato foi parar em jornais da imprensa tradicional, blogs que discutem as questões raciais e perfis de pessoas que moram em várias regiões do país. Depois de algumas horas sem entrar na internet, ela voltou e viu que tinham milhares de pessoas apoiando e disse em seu Facebook: “Eu que antes me sentia sozinha, e que por diversas vezes me questionei se levar isso adiante era válido, 24h depois vejo que não apenas valeu a pena, como está emponderando diversas pessoas a correr atrás do seu direito de simplesmente SER, não fujam, não se oprimam ou desistam de seus objetivos, é isso que aprendi em 24h!”

E não está sozinha. Não está mesmo. Na maioria das vezes, para não dizer todas e você dizer que estou “generalizando”, que publico algum caso de racismo em meu mural, escrevo um texto aqui no Brasil Post ou falo em um ambiente algum caso de racismo, é quase automático vir uma pessoa dizer: “mas agora tudo é racismo, tudo pra vocês é machismo, homofobia. Vocês são muito chatos.”

A grande questão é que essas pessoas que dizem isso são racistas, machistas e homofóbicas, transfóbicas, gordofóbicas etc. São porque elas não conseguem ouvir o outro e acreditar que um comentário pode ofender sim.

Mas eu sei porquê vocês dizem isso, que tudo é racismo. É porque hoje a gente fala. E falar no sentido literal da palavra: vocês não vão nos silenciar mais. E quando falamos, não são mais duas ou três pessoas ouvindo. São milhões de todas as partes do país, do mundo, imprensa, blogueirxs, geral vem junto.

E aí é esculacho, né? Poxa, ter que ver a cara estampada no jornal como racista “só” porque chamei aquela garota negra de macaca e “minha” empregada de mucama. “Só” porque eu chamei aquela garota de “gorda sapatão ridícula”.

Só porque, só porque…

Eu sei o motivo! Vocês só consideram violência quando sai sangue, quando a violência é física. Ignoram o fato de que a violência é maior do que vocês pensam e do que vocês são capazes de sentir. Porque não é difícil de compreender que você, uma pessoa cis hetero branca, não entenda como uma pessoa pode se sentir ofendida quando é chamada de “macaco”, “viadinho”, “cabelo de bombril” ou “traveco”.

O que não é compreensível é você branco cis hetero querer dizer o que é ou não racismo, transfobia, homofobia.

Eu entendo também porquê você diz por aí que agora além de tudo ser racismo, todo mundo quer falar de negro. E você usa a expressão “todo mundo” porque te incomoda ter que dividir o mesmo espaço de fala daqueles que um dia só te serviram. Nunca dividiram sala de aula com você. Daqueles que sempre foram a foto para você ganhar o patrocínio, nunca o protagonista de um projeto, de uma história, da sua própria história, aliás.

Abdias do Nascimento escreveu em seu livro O negro revoltado: “[…] creio inútil identificar na mencionada tendência ‘racista’ a tradicional cerebração racista daqueles que não admitem perder o controle sobre o negro, sua cultura e sua mente. Um negro orgulhoso de sua identidade étnica é para eles uma afronta intolerável, e o negro desejar resgatar sua história e seus valores culturais, é puro racismo às avessas.”

É isso. Agora estamos falando com autoestima e sendo ouvidos. Estamos fazendo sem precisar estar sob suas asas do santo deus todo poderoso. A nossa disputa é pela vida, é a luta pela representação. Que sejamos nós os protagonistas das nossas próprias histórias, que não sejamos só a foto da legitimidade de um produto.

Aprendam a conviver com isso.

E, sim, se houver racismo, homofobia, transfobia, machismo etc, TUDO isso será tratado e escrachado em seus respectivos nomes. Vai ser tudo sim racismo, homofobia, transfobia, machismo.

Nós vamos escrachar! Não estamos sozinhos. Não passarão!

Um vídeo pra vocês se ligarem:

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