Aleijadinho

Cristo carregando a cruz, Santuário de Congonhas do Campo

Auto-Retrato
Auto-Retrato
Antônio Francisco Lisboa, mais conhecido como Aleijadinho, (Vila Rica, 29 de agosto de 1730 – Vila Rica, 18 de novembro de 1814) foi um escultor, entalhador, desenhista e arquiteto no Brasil colonial.
Com um estilo relacionado ao barroco e especialmente ao rococó, é considerado o maior expoente da arte colonial em Minas Gerais (comumente chamada barroco mineiro) e no Brasil colônia em geral. Toda sua obra foi realizada em Minas Gerais, especialmente nas cidades de Ouro Preto, Sabará, São João del-Rei e Congonhas do Campo. Os principais monumentos que contém suas obras são a Igreja de São Francisco de Assis de Ouro Preto e o Santuário do Bom Jesus de Matosinhos.

Biografia

Muitas dúvidas cercam a vida de Antônio Francisco Lisboa. Praticamente todos os dados sobre sua vida são derivados de uma biografia escrita em 1858 pelo jurista Rodrigo José Ferreira Bretas, 44 anos após a morte do Aleijadinho, baseando-se em documentos e depoimentos de pessoas que conheceram o artista[1].

Igreja de São Francisco em Ouro Preto, com uma magnífica portada em pedra-sabão realizada pelo Aleijadinho.
Igreja de São Francisco em Ouro Preto, com uma magnífica portada em pedra-sabão realizada pelo Aleijadinho.

O mais importante dos documentos em que se baseou Bretas foi uma “Memória” escrita em 1790 por um vereador da cidade de Mariana. Neste documento, cujo original se perdeu, é feito um amplo relatório acerca do estado das artes nas Minas Gerais, incluindo alguns dados sobre o Aleijadinho relacionados a sua formação artística e sua participação em algumas obras [2]. Também é mencionado que Antônio Francisco era filho de um afamado mestre-de-obras português, Manuel Francisco Lisboa, que além de construtor atuava como arquiteto[2].

A data de nascimento do Aleijadinho é motivo de controvérsia. De acordo com o biógrafo Bretas, Antônio Francisco nasceu no ano de 1730 em Vila Rica (atual Ouro Preto) na frequesia de Nossa Senhora da Conceição de Antônio Dias, sendo filho de Manuel Francisco Lisboa e sua escrava africana, Isabel (ou Izabel)[3]. O filho, nascido escravo, foi alforriado no batismo. A certidão de batismo encontrada por Bretas dá a data de 29 de agosto de 1730 para o nascimento de Antônio. As dúvidas derivam do fato de que o nome do pai que figura na certidão é Manuel Francisco da Costa, e não Lisboa, o que poderia ser devido a um erro do escrivão. Outra fonte de dúvidas é a certidão de óbito do Aleijadinho, datada de 18 de novembro de 1814, na qual consta que o artista faleceu aos 76 anos de idade. A confiar neste documento, ele deveria haver nascido em 1738[4].

Antônio Francisco teve um filho natural – fora do casamento – aos 47 anos, a quem chamou Manuel Francisco Lisboa, mesmo nome do avô. Teve também vários meio-irmãos, frutos do casamento do seu pai[5]. Um destes meio-irmãos, padre Félix Antônio Lisboa, também foi escultor.

Formação

Segundo Bretas, Antônio Francisco sabia ler e escrever e poderia haver estudado latim. Sobre sua formação artística, a “Memória” do vereador de Mariana indica que Antônio Francisco teria recebido lições de seu pai e do desenhista e pintor português João Gomes Batista. Também Antônio Francisco Pombal, irmão do pai do Aleijadinho e portanto seu tio, era um afamado escultor e poderia ter participado da educação do jovem Antônio. Os críticos também apontam os escultores portugueses Francisco Xavier de Brito e José Coelho de Noronha como possíveis influências. Com Coelho de Noronha o Aleijadinho trabalhou efetivamente no início de sua carreira, cerca de 1758, nas obras de talha da Igreja Matriz de Nossa Senhora do Bom Sucesso, em Caeté[1][6].

Alguns acreditam que Antônio Francisco poderia haver viajado ao Rio de Janeiro – então capital da colônia – na década de 1770, cuja fervilhante atividade artística também poderia ter influenciado o artista. Não há, porém, provas documentais de tal viagem.

Doença e morte

Nossa Senhora das Dores, no Museu de Arte Sacra de São Paulo
Nossa Senhora das Dores, no Museu de Arte Sacra de São Paulo

Na descrição de Bretas, Antônio Francisco era “pardo escuro, tinha a voz forte, a fala arrebatada e o gênio agastado; a estatura era baixa, o corpo cheio e mal configurado, o rosto e a cabeça redondos, e esta volumosa; o cabelo preto e anelado, o da barba cerrado e basto; a testa larga, o nariz retangular e algum tanto pontiagudo, os beiços grossos, as orelhas grandes e o pescoço curto.”[3]

A partir de 1777, o artista começou a sofrer os sintomas de uma misteriosa doença que lhe causou deformidades no corpo e que lhe valeram a alcunha de “Aleijadinho”. Bretas diz que Antônio sofria dores horríveis e que eventualmente perdeu os dedos dos pés e teve de andar de joelhos. Também terminou por perder os dentes e os dedos das mãos, e suas deformidades teriam feito com que trabalhasse escondido por tendas para que as pessoas não o observassem. Seu escravo Maurício seria o responsável por atar a suas mãos os cinzéis com os quais esculpia[3]. Atualmente se debate que doença poderia ter causado esses problemas ao Aleijadinho, dividindo-se as opinioes entre sífilis, reumatismo, porfíria, hanseníase, lepra e poliomielite[4]. É muito provável que os sintomas devastadores descritos por Bretas sejam um tanto exagerados, uma vez que seria muito difícil que com tamanhas mutilações o Aleijadinho pudesse ter esculpido suas últimas obras em Congonhas do Campo.

Ainda segundo Bretas, o Aleijadinho morreu pobre e abandonado. Nos últimos anos de sua vida viveu na casa de sua nora Joana, que cuidou-o até a morte, ocorrida em 1814. A certidão de óbito encontrada no arquivo da Matriz de Nossa Senhora da Conceição de Antônio Dias diz o seguinte: “Aos dezoito de Novembro de mil oitocentos e quatorze, falleceo Antonio Francisco Lisboa, pardo solteiro de setenta e seis anos, com todos os Sacramentos encomendado Boa Morte e para clareza fiz passar este assento e que me assigno O Codjor José Como. De Moraes.”[4].

Obra

Anjo com o cálice da Paixão, Santuário de Congonhas
Anjo com o cálice da Paixão, Santuário de Congonhas

Como ocorre com outros artistas coloniais, a atribuição de obras ao Aleijadinho é dificultada pelo fato dos artistas da época não assinarem suas obras e pela escassez de fontes documentais. Em geral os documentos como contratos e recibos acordados entre as irmandades religiosas e os artistas são as fontes mais seguras para a atribuição de autorias. Também outros documentos, como a “Memória” do vereador de Mariana transcrito por Bretas e a tradição oral são elementos úteis. Por último, comparaçoes estilísticas entre as obras conhecidas com obras de autoria desconhecida podem ser usadas para atribuir uma determinada obra a um artista.

O Aleijadinho foi essencialmente um escultor, trabalhando tanto no entalhe de imagens, retábulos e outros elementos de madeira (talha) como na escultura em pedra-sabão, com a qual realizou elementos de portadas de igrejas e também lavabos e estátuas de vulto, como os Profetas do adro do Santuário de Congonhas. Ele também atuou como arquiteto, ainda que a natureza e significado de suas obras nesse campo seja motivo de controvérsia.

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Lista de obras

Recibo assinado pelo Aleijadinho quando recebeu o pagamento pela obra dos Profetas. Museu da Inconfidência
Sabará
Igreja de Nossa Senhora do Carmo: o cancelo, coro sustentado por Atlantes, púlpitos, esculturas em pedra sabão sobre a porta principal e frontão
Matriz de Nossa Senhora da Conceição: grade de madeira do batistério
Museu do Ouro: imagem de Santana Mestra
Ouro Preto
Hospício da Terra Santa – Projeto e execução do chafariz em esteatita, situado nos fundos do monastério;
Palácio dos Governadores – Risco em sagüínea do chafariz interno (1752); feito de uma mesa de jacarandá preto; dois bancos de encosto e dois bancos torneados (1761), peças não identificadas;
Chafariz do Pissarrão – Projeto do chafariz situado no Alto da Cruz, antiga rua Larga, proximidade da Igreja de Santa Ifigênia (1761); busto de Afrodite no remate do frontão;
Igreja de Nossa Senhora do Carmo – Modificação do projeto original (1770); altares colaterais de Nossa Senhora da Piedade (1807) e de São João Batista (1809); acréscimo dos camarins e guarda-pós dos altares de Santa Madalena e Santa Luzia;
Casa do Açougue Público – Projeto e especificação do açougue (1771), obra demolida em 1797;
Igreja de São Francisco de Assis – Esculturas dos tambores ogivais dos púlpitos, em esteatita, representando episódios bíblicos (1772); barrete da capela-mor (1773-74); projeto atual da portada (1774-75); risco da tribuna do altar-mor (1778-79); feitio das pedras Dara (1789); retábulo da capela-mor (1790-94) (elaborado com a colaboração dos entalhadores Henrique Gomes de Brito, Luís Ferreira da Silva e Faustino da Silva Correia); projeto de dois altares colaterais consagrados a São Lúcio e Santa Bona (executados com alterações por Vicente Alves da Costa, em 1829);
Igreja de São José – Projeto do retábulo da capela-mor (1773, posteriormente alterado); modificações produzidas no risco da fachada (1772);
Igreja Nossa Senhora das Mercês e Perdões – Risco da primitiva capela-mor; revisão do projeto e verificação final da obra (1775-78), que foi depois demolida em 1805.
Nova Lima
Igreja Matriz de Nossa Senhora do Pilar de Nova Lima – Altar-mor, altares laterais, púlpitos, coro e batistério, procedentes da Fazenda Jaguara, doação de George Chalmers, antigo superintendente da Mina de Morro Velho, quando adquiriu a fazenda.
Tiradentes
Matriz de Santo Antônio: risco do frontispício e das grades do corpo da igreja.
São João del-Rei
Igreja de São Francisco de Assis: risco dos altares colaterais; risco da portada; imagem de São João Evangelista
Igreja Nossa Senhora do Carmo: risco e execução da maior parte das esculturas da portada
Congonhas

O conjunto do adro da Igreja de Congonhas

Recibo autografado por Aleijadinho
Recibo autografado por Aleijadinho

Santuário do Bom Jesus de Matosinhos: imagens dos Passos da Paixão nas capelas; estátuas dos Profetas no adro da igreja; caixa do órgão (desaparecida); relicários.
Representações na cultura
O Aleijadinho já foi retratado como personagem no cinema e na televisão, interpretado por Geraldo Del Rey no filme “Cristo de Lama” (1966), Maurício Gonçalves no filme “Aleijadinho – Paixão, Glória e Suplício” (2003) e Stênio Garcia num caso especial da TV Globo.
Referências
↑ 1,0 1,1 Enciclopédia Itaú Cultural [1]
↑ 2,0 2,1 Bury, John. “As Igrejas ‘Borrominicas’ do Brasil Colonial” in: Arquitetura e Arte no Brasil Colonial (Monumenta)[2]
↑ 3,0 3,1 3,2 O Aleijadinho por Rodrigo Bretas[3]
↑ 4,0 4,1 4,2 Biografia do Aleijadinho em descubraminas.com.br[4]
↑ Martins, Judith. Subsídios para a biografia de Manuel Francisco Lisboa. Revista do IPHAN (1940)[5]
↑ Oliveira, Myriam Andrade Ribeiro de (2003). O rococó religioso no Brasil. São Paulo: Cosac & Naify.

 

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