Alexandre Pereira: “Ninguém quer ser coadjuvante de ninguém”

 

por Luiz Carlos Azenha e Padu Palmério

“A grande mídia não está de olho na periferia”, diz o antropólogo Alexandre Barbosa Pereira, professor da Unifesp, a Universidade Federal de São Paulo.

É uma das explicações para a surpresa com que a sociedade brasileira recebeu os chamados “rolezinhos”, atividades de jovens organizadas através das redes sociais em shoppings de São Paulo.

Segundo o jornalista Padu Palmério (autor, aliás, das imagens da entrevista que você vê neste post), há pelo menos outros cinco previstos para os próximos dias, agora também em espaços públicos:

 

Shopping Aricanduva, sexta-feira —  https://www.facebook.com/events/431525700309637/?fref=ts

Anália Franco, sexta-feira – https://www.facebook.com/events/1374307016164841/

Iguatemi JK, sábado  – https://www.facebook.com/events/259849900839491/?fref=ts

Parque Ibirapuera, sábado – https://www.facebook.com/events/1419046201666791/

Parque Ibirapuera II, sábado – https://www.facebook.com/events/446465818788867/

Os eventos, que tiveram início no período do Natal, chegaram a ser violentamente reprimidos pela Polícia Militar, a pedido de lojistas. Shoppings recorreram à Justiça para proibir a atividade, com multas individuais que poderiam chegar a 10 mil reais.

Alexandre Barbosa Pereira é do Núcleo de Antropologia Urbana da Universidade de São Paulo, o NAU.

O antropólogo vê os rolezinhos em um contexto mais amplo. Ele fez mestrado estudando pichação em São Paulo. Depois, ampliou o foco e fez doutorado pesquisando em escolas da periferia, um espaço de socialização dos jovens que muitas vezes não é compreendido assim por professores.

Para o antropólogo, é óbvio que os rolezinhos não são organizados para fazer propaganda de uma bandeira política. São a extensão de algo que é comum entre jovens nas escolas, “causar” ou “zoar” em busca de reconhecimento, visibilidade.

Como toda atividade humana é política, não deixam de ser, também, uma forma de mexer com a “ordem estabelecida”, ordem esta estabelecida sem diálogo com os jovens.

Alexandre rejeita o corte simplista das classes sociais. Diz que os espaços das metrópoles brasileiras foram organizados sem dar ouvido às necessidades da molecada, independentemente de classe social.

Só que enquanto os filhos de ricos ou da classe média são, desde cedo, reconhecidos na escola, quem está por baixo na periferia não tem voz, é discriminado desde sempre no espaço essencial de socialização.

Antes da entrevista o antropólogo, que mora na Zona Sul de São Paulo, apontou para a janela aberta de seu apartamento. Passamos a procurar espaços públicos no bairro.

É um exercício que eu, Azenha, como repórter, sempre faço nas incursões pela periferia da Grande São Paulo: as praças e os parques públicos são raros, não há centros culturais nem quadras esportivas, nem museus, cinemas ou bibliotecas; pistas de skate e espaços para música também inexistem. Os equipamentos, quando existem, foram colocados lá sem consulta aos jovens.

A escola é, mesmo, “o” espaço. A escola e, crescentemente, o shopping. Espaço privado, este último, mas visto como público pelos adolescentes.

Na opinião de Alexandre, os jovens envolvidos com os rolezinhos não estão em busca de revolução, mas de se afirmar num espaço que a própria sociedade brasileira propôs a eles como central: o do consumo.

Consumo, portanto existo.

“Se fossem jovens brancos se encontrando seria um flash mob”, afirma Alexandre, lembrando de atividades similares organizadas pela internet em várias partes do mundo — muitas delas, inclusive, em shopping centers.

Porém, como no primeiro grande rolezinho de repercussão no Brasil havia muitos jovens negros e pardos, parte da mídia chamou de “arrastão”.

Alexandre foi a dois eventos. Diz que é impossível explicá-los com uma atitude binária.

A garotada quer, acima de tudo, zoar. Escolhe um local de prestígio. Um lugar que tenha centralidade em sua vida.

Quem vê de fora se coloca no papel de “interpretar”: dependendo do ponto-de-vista, faz a rotulagem.

Para alguns, heróis contra a desigualdade; para outros, vítimas do apartheid social; ou, vilões que perturbam o sossego alheio.

Alexandre se diverte com a rotulagem lembrando que em Itaquera muitos frequentadores do shopping, adultos, condenaram a zoeira. Independentemente de classe social.

O antropólogo não deixa de notar, no entanto, a ironia: antes das manifestações de junho passado, era considerado tabu em São Paulo organizar manifestações que paralisassem o trânsito na avenida Paulista, em nome do direito de ir e vir; agora, para reprimir os rolezinhos, as autoridades consideram solapar o direito de ir e vir.

Alexandre Barbosa Pereira termina a entrevista dizendo que, se há uma reivindicação embutida nos rolezinhos, é o do “direito de se divertir na cidade”.

Cita Da ponte pra cá, dos Racionais:

Quem não quer brilhar, quem não? Mostra quem

Ninguém quer ser coadjuvante de ninguém

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A charge é de Vitor Teixeira, via Facebook:

 

 

 

Fonte: Viomundo

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