Amar homens e ser feminista, eis a questão

Essa semana o universo e a Deusa combinaram de me grilar e simplesmente tudo o que eu buscava ler, assistir ou debater me levava ao mesmo dilema: eu amo homem, socorro! Diversos textos bons sobre o assunto brotaram na minha frente, com boas bases e argumentos e eis que eu cometi aquele erro clichê de refletir nos extremos. Reflexão essa que me levou à seguinte conclusão: eu estou vivendo uma contradição, sou feminista e amo um homem que por mais esforçado, esquerdamigo, mente aberta e disposto que seja, é homem e nasceu pra agir como tal, logo, machista.

Por , do Lugar de Mulher 

Entrei na crise existencial, me descabelei, berrei mentalmente.

Um extremo me sussurrava ao pé do ouvido direito que “ah, mas homem é assim mesmo, tem que ter paciência, educar, entender que eles também não tem toda a culpa”. Do outro lado outra voz sussurrava que “não miga, você não é obrigada”.

Acontece que uma coisa é fato, eu amo um cara. Eu podia acatar a ideia subliminar de diversos textos que li e simplesmente acreditar que pro meu bel prazer, basta eu chutar o boy e amar uma mina? Não. Infelizmente o amor não é exatamente uma escolha pra ninguém. Nem toda mulher é bissexual ou lésbica e iria poder entrar na onda de “foda-se uzomi, vou amar uma mina e ser uma feminista completa e livre do machismo”. Diferente da galera que propaga as curas de sexualidades, nós sabemos que orientação sexual não é questão de escolha, e já dizia a poesia de internet:

“Se orientação sexual fosse escolha, ninguém amaria homem.”

 

Não sendo escolha, portanto, tem gente que ama homem. Se você ama homens, vai amar e pronto e não haverá empoderamento que a fará deixar de amar, sentir-se culpada por isso não é o intuito de empoderar-se. Acreditar que deixar de se relacionar com homens é uma solução não passa na verdade de balela. Até porque amor não é só isso. Até porque machismo não é só isso. A maioria de nós tem pais, irmãos. Algumas de nós teremos filhos, e pasmem, eles podem nascer homens! O amor também existe aí. E o machismo também. Não existe uma bolha onde possamos nos esconder e ficarmos imunes.

Porém nem tudo está perdido. Não dá pra dizer que tudo são flores e que é super de boa se relacionar com um homem ~seja lá como for essa relação~ quando você tem conhecimento sobre sua situação oprimida perante ele, principalmente porque você terá muito mais consciência das cagadas que ele faz e sentirá a dificuldade de desconstruir machismo na própria pele, sofrendo, se magoando, sentindo dor. Mas existe algo de bom nisso embora não pareça: se você sente essa dor, significa que você, miga, está livre. Significa que você tomou consciência da sua luta nessa vida enquanto mulher. Significa que você não vai mais ver as coisas de uma forma ilusoriamente romantizada, como se tudo fosse lindo, como se tudo sempre estivesse bem. Significa que você vive a realidade de ser mulher e só, e que com isso, não vai mais esperar nenhum príncipe encantado, simplesmente porque você finalmente descobriu que eles não existem MESMO. Significa que você pode pensar sobre o que fazer e ajudar outras mulheres a pensar sobre isso: O que fazer?

Façamos o mais difícil e necessário, amemos com os pés no chão. Tenhamos em mente que amor não é mesmo um conto de fadas onde tudo é uma delícia e acaba num final feliz. Amemos com a mesma força que lutamos todos os dias pra conseguirmos conquistar nosso lugar ao sol da igualdade. Amemos com resistência. Não garanto o “felizes para sempre”, mas garanto que você vai se sentir bem consigo mesma por conseguir enxergar as coisas como elas realmente são, até porque quando nós enxergamos, nós podemos caminhar.

+ sobre o tema

A campanha #meuamigosecreto viralizou e a casa do machismo virtual caiu

A hashtag #meuamigosecreto constituiu-se como movimento internáutico divertido e criativo. Primou...

Comentário sexista faz Kátia Abreu jogar vinho na cara de Serra

Senador tucano entrou na conversa sem ser convidado durante...

para lembrar

O depoimento dessa mãe é mais do que um debate: é uma aula essencial sobre feminismo

Ser mãe é daquelas coisas difíceis de explicar, gente:...

Mídias independentes, gênero e sexualidade

No sábado passado, dia 22 de agosto de 2015,...

O crack, a maternidade e o poder público

Adoção de crianças e, mais que tudo, adoção de...

Minha decepção com o machismo do Dalai. Por Nathalí Macedo

Cresci ouvindo falar das citações famosas de Dalai Lama....
spot_imgspot_img

Sonia Guimarães, a primeira mulher negra doutora em Física no Brasil: ‘é tudo ainda muito branco e masculino’

Sonia Guimarães subverte alguns estereótipos de cientistas que vêm à mente. Perfis sisudos e discretos à la Albert Einstein e Nicola Tesla dão espaço...

A Justiça tem nome de mulher?

Dez anos. Uma década. Esse foi o tempo que Ana Paula Oliveira esperou para testemunhar o julgamento sobre o assassinato de seu filho, o jovem Johnatha...

O atraso do atraso

A semana apenas começava, quando a boa-nova vinda do outro lado do Atlântico se espalhou. A França, em votação maiúscula no Parlamento (780 votos em...
-+=